segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

LEMBRAR PADRE ACÚRCIO

O Sr. Presidente da Câmara de Oliveira do Bairro ainda recentemente afirmou desejar «manter as apostas na educação e no reforço da identidade cultural”.

Quanto à educação é inegável que a construção de melhores instalações são uma condição para o corpo docente poder ensinar bem e os alunos poderem aprender, mas não suficiente para o processo de ensino – aprendizagem. Esta matéria ficará para outra oportunidade.

Analisemos então a expressão “reforço da identidade cultural». Nos dias de hoje estamos a viver uma crise de identidade cultural que decorre fundamentalmente das mudanças verificadas nas sociedades modernas, resultantes do processo de globalização, as quais estão a esquecer a memória de quadros culturais de referência. Uma tal crise contribui assim para uma falta de compreensão e conhecimento do que é próprio e distintivo de cada comunidade.

A identidade cultural tem por base um mesmo passado, uma comum vivência do presente e um mesmo quadro de referências culturais que fazem com que as pessoas se sintam mais próximas e semelhantes. A preservação de uma identidade cultural implica, pois, o movimento de dar conhecimento às novas gerações, as personalidades, ideias e ideais de referência. O mesmo é dizer, dar a conhecer todos quantos pela exemplaridade da sua vida e riqueza de pensamento se constituiram como fontes para o futuro.

É neste contexto que vem a propósito referir que ainda vamos a tempo de recuperar a ideia, que oportunamente foi apresentada na Câmara, mas não aceite pela maioria, de criar os Prémios Literários Padre Acúrcio e António de Cértima, com vista a incentivar a investigação e a criatividade literária entre os jovens do Concelho e da Região e manter assim vivas as suas memórias pelo que de mais relevante nos legaram. Os seus passados, como referências culturais devem ser considerados como lições para o futuro pelo que bem merecem ser estudados pelos jovens Bairradinos. Ter a consciência das preocupações atrás referidas e de outras idênticas, concretizando-as, é agir no sentido do reforço da identidade cultural.

Feitas estas considerações introdutórias, entendo relembrar que após o falecimento do Padre Acúrcio, em 25 de Março de 1925, apenas com 35 anos de idade e depositado o seu corpo em jazigo de família, no cemitério de Oliveira do Bairro, surgiu a iniciativa de se abrir uma subscrição para a construção de um pequeno monumento em sua homenagem. A subscrição aberta por Homem Cristo não teve a continuidade desejada. Decorridos uns anos, foi nomeada uma Comissão de Honra para concretizar a homenagem que também não teve continuidade. Só em 1951, e é bom que se lembre, com o aparecimento do Jornal da Bairrada, pela mão do Dr. Manuel Grangeia, foi constituída uma nova Comissão de amigos e admiradores e publicado um apelo a todos os Bairradinos (J.B – Edição N.1 de 17.Fev.1951).

Os donativos chegaram e o Presidente da Câmara da época, Sr. Santos Pereira, apadrinhou a iniciativa, disponibilizou o espaço no jardim e a homenagem foi concretizada em 1959, com a edificação do monumento com o seu busto.

A mesma Comissão de que fazia parte o Dr. Manuel Filipe, na sua qualidade de chefe de redação do jornal, publicou, no mesmo ano, um In Memoriam – Antologia com testemunhos de admiradores. Eis um bom exemplo do esforço que foi feito para manter viva a memória histórica dum grande vulto Bairradino de referência cultural.

Sobre a obra do Padre Acúrcio não falarei. O que é necessário é ler o livro. No entanto, não deixarei de lembrar que o Padre Acúrcio escreveu a letra do Hino da Bairrada musicada por Albano Cruz e foi o principal responsável pela criação da «Plêiade Bairradina». De entre outros jovens também fazia parte da «Plêiade Bairradina», o escritor António de Cértima. Os jovens do Concelho que estiverem interessados em saber tudo sobre a «Plêiada Bairradina», terão oportunidade de encontrar muita documentação no Museu São Pedro da Palhaça. Deixo o desafio e a informação.

Decorridos mais de 50 anos sobre a primeira homenagem a Padre Acúrcio e agora, por iniciativa de Vitor Pinto, presidente da ASSOCIAÇÃO DOS NATURAIS DE OLIVEIRA DO BAIRRO – ANOBE, foi apresentada, acerca de um ano, uma proposta na Câmara Municipal, solicitando autorização para a colocação de uma placa evocativa, em mármore, na parede do cemitério onde se encontra o corpo do Padre Acúrcio, com a seguinte inscrição:

“ AQUI NESTE CEMITÉRIO,
CRESCEM DESMAIADAS FLORES
ROCIADAS PELO PRANTO
DE MÃES, NOIVAS E AMORES”.
Padre Acúrcio

Esta quadra, da autoria do Padre Acúrcio, fora escrita pela sua própria mão, na parede do cemitério, tendo desaparecido com o tempo. Quem o afirma é o Dr. Manuel França Martins no depoimento que escreveu para o In Memoriam. Levado o assunto a reunião camarária, a maioria liderada pelo Sr. Presidente da Câmara entendeu não autorizar a colocação da referida placa na parede do cemitério. Pensamos que só poderá ter sido o desconhecimento deste facto a ditar uma tal decisão.

Todos estamos de acordo que a colocação da placa e a consequente leitura da quadra constituiria mais um motivo para respeitar a vontade do Padre Acúrcio, prestando-lhe assim, mais uma singela homenagem. Sei que o Sr. Presidente da ANOBE quer apresentar de novo a petição ao executivo camarário. A colocação da placa, na parede do cemitério, ocorreria no 87º aniversário do seu falecimento (25 de Março de 2012, dia da apresentação do livro Vida e Obra do Padre Acúrcio. Esta iniciativa que surge pela mão de um cidadão que foi deputado municipal durante 16 anos e que tem a consciência de que uma comunidade sem memória histórica não tem futuro, em nada ofende.

Não é uma quadra de combate político; não faz a defesa de um credo e enriquece a sobriedade do espaço a que se destina. Em conclusão, é uma quadra que une, num tempo onde a política e, por vezes, a religião, tanto afastam e dispersam. Ora, tendo em atenção que a atividade de um autarca se avalia não só pelo que faz, mas também pelo que não faz, esperamos que o Sr. Presidente da Câmara, num gesto de nobreza e de humildade política, demonstre coerência entre o dizer e o fazer e apadrinhe a iniciativa. Estes são os pequenos gestos que ajudam a reforçar a nossa identidade cultural e a manter viva a nossa memória colectiva.

É UM PEQUENO GESTO…QUE FICARÁ NA MEMÓRIA!

COMO A QUADRA DO PADRE ACÚRCIO!

Acílio Gala, no 'Jornal da Bairrada' de 26 de Janeiro de 2012