segunda-feira, 20 de setembro de 2010

COM O FMI À PORTA

1. Portugal pode ser comparado a uma família numerosa que todos os meses, todos os dias, gasta mais do que ganha. Até agora, essa família, que já merece ser apodada de estupidamente irresponsável, tem contado com o apoio dos familiares e amigos (o seu "mercado" particular) que foram adiantando o dinheiro para a manutenção de um estilo de vida superior às possibilidades do agregado.O problema está em que, à falta de sinais de credibilidade do governo da casa, o dinheiro extra está prestes a deixar de entrar.

Os tais familiares e amigos, colocados perante a possibilidade real de nunca mais receberem o que emprestaram, começaram por aumentar os juros, mas admitem já deixar de emprestar. Têm receio, legítimo, de nunca mais receberem o que lhes pertence. Não vêem nem mudanças nem poupanças.

A família não é capaz de se autodisciplinar, de merecer a confiança da comunidade. E porque o seu chefe é incapaz de dizer "não" às birras das crianças, às extravagâncias da mulher, aos seus próprios vícios, está na fronteira de passar - e a família com ele - a vergonha de ver alguém a mandar na sua própria casa. Serão os credores a administrar o dinheiro, a escolher as refeições, a comprar a roupa, a determinar como se gasta e onde se gasta.

Entre a miséria e a sobrevivência, esmagadas pelo crédito da casa que não podiam comprar, do carro que não deviam ter e do luxo que não deviam frequentar, as famílias costumam pedir ajuda exterior para voltarem à normalidade de uma vida séria.

É este, hoje, o cenário que, cada vez com maior realismo, se coloca ao País, à família que somos.

2. A possibilidade de entrada em Portugal do Fundo Monetário Internacional (FMI) aumenta a cada dia. Nos bastidores da política, onde grassa a incapacidade de tomar decisões, é há muitas semanas considerada inevitável. Alguns dos mais conhecidos economistas nacionais, como foi ontem o caso de Eduardo Catroga, Medina Carreira e Miguel Beleza no DN, admitem-na cada vez mais explicitamente. Ou seja, estamos a caminhar para o regresso do FMI a Portugal, mais de duas décadas depois.

Os empréstimos estão cada vez mais difíceis e mais caros. A despesa pública não diminui. Os pequenos sinais positivos dados pela nossa economia não são suficientes para inverter este quadro em que o Governo não pode já desculpar-se apenas com "a crise".

Essa mesma crise existe noutros países, como é o caso de Espanha, e o Estado tem sido capaz de se autodisciplinar. De cortar em serviços. De cortar institutos e gabinetes. De cortar cargos de administração. De pagar, acima de tudo, o preço político pelas regalias sociais que elimina. E de o fazer segundo um plano definido, claro e corajoso, que inverta o sentido de um endividamento externo galopante.

Em Portugal, os cortes, mínimos, têm surgido de forma avulsa, mascarados, porque o Governo "é de esquerda" e defensor do "Estado social". São inevitáveis, mas só se produzem "a ferros", sem dimensão nem escala, e por isso sem consequências visíveis. No grosso da despesa, o Governo (até agora, e resta-nos apenas esperar pelo Orçamento do Estado para 2011) tem dado mostras de uma total falta de coragem política para agir sobre a despesa e sobre o Estado monstruoso que PS e PSD ampliaram, a culpas conjuntas, desde 25 Abril de 1974.

Encarar de frente o despesismo do Estado tem de ser feito agora. Amanhã é tarde se quisermos conservar alguma independência face aos credores e, também, a auto-estima de nos mostrarmos capazes e dignos de mandarmos em nossa casa.

Nesta pobre e miserável realidade há ainda lugar para o cálculo político? Lugar há, e é assim em todo o lado do mundo. Mas que tal se José Sócrates e Pedro Passos Coelho aproveitassem a oportunidade deste orçamento para colocar os interesses do País acima da luta pelo poder? Um orçamento duro para a máquina do Estado, que contenha o endividamento, é inadiável. As condições do PSD, retiradas do contexto do comício em que foram anunciadas, fazem sentido. São realistas e não fecham a porta a um entendimento.

João Marcelino, aqui