segunda-feira, 18 de março de 2013

LA VIDA LOCA

A maior concorrência dos humoristas em Portugal vem dos políticos. Não sei quem disse isto, mas já foi ultrapassado pela sociedade civil

Ainda está fresco o comentário do banqueiro Ulrich, «se os sem-abrigo aguentam, nós [sublinho o pronome] também aguentamos».


Não é preciso ser economista para adivinhar que este trágico destino não o espera. Outra grande rábula portuguesa está a ser interpretada por Filipe Pinhal, outro banqueiro, cuja reforma de 70 mil euros baixou para 14 mil. A brutal diminuição de rendimentos despertou a sua consciência sociopolítica, e é agora o líder do Movimento dos Reformados Indignados. 

O mais recente número cómico foi protagonizado pelo SE da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que reafirmou a vontade inabalável do Governo de trazer as produções de Bollywood para Portugal: «Criar plataformas de trabalho para que a produção cinematográfica indiana também nos possa beneficiar». Que a festa continue.

Traduzir é preciso
A manifestação de 2 de Março coincidiu – sem dúvida propositadamente – com a sétima avaliação da troika. Os organizadores queriam que a troika assistisse à revolta de um povo que está no limite das suas forças financeiras e fiscais. Duvido francamente que a troika não tenha a clara percepção das consequências dos sacrifícios na vida das pessoas. Mas aceito que não perceba o português do candidato a partido ‘Que Se Lixe a Troika’. Como terão traduzido para que os funcionários percebessem a reivindicação? ‘Screw troika’ deve ter sido a tradução preguiçosa escolhida. Por mim, preferiria ‘Sod off, troika’ ou mesmo ‘Piss off, troika’. São ordens, são claras, não enganam ninguém e estão de acordo com o espírito radical do movimento. É pena o radicalismo, de facto, que não se presta à distância do humor. Porque a tradução que nos apetece gritar é: ‘Get a life, troika’. Vão lá à vossa vida, que nós também gostávamos de continuar a nossa.

Um por todos
Se pensarmos bem, são raros os dias em que Portugal não está de parabéns. Com poucas horas de diferença, tivemos a vitória de Sara Moreira na corrida dos 3.000 metros nos Europeus de Gotemburgo em pista coberta. A medalha de ouro da portuguesa foi logo aproveitada por António José Seguro, que veio dizer que se tratava de uma vitória «inspiradora» para os portugueses. Espero que seja no campo da metáfora. No dia seguinte, ainda mal refeitos da vitória de uma portuguesa (o facto de ter trabalhado muito sabe-se lá em que condições e de ter vencido por mérito seu não interessa), temos a notícia de haver um luso-descendente na Administração Obama. Sim, além do cão de água Bo! Tem sangue lusitano e vai certamente inspirar-nos imenso a fazermos tudo. Chama-se Ernest Moniz, a família é dos Açores, onde viveu em miúdo, fala umas palavras de português, é físico e gosta do cabelo frisado. É o novo chefe do Departamento de Energia. Somos fantásticos.

Já desconfiava
No The New York Times, Dominique Brossard e Dietram Scheufele falam do Efeito Maldoso (nasty effect) da discussão livre na web. Trata-se do efeito produzido por comentários insultuosos a outros comentadores no mesmo site, que muda a opinião dos próprios insultados. Em qualquer site encontramos comentários formulados com mais ou menos respeito. Há ainda observações feitas a outros comentadores, que depressa se tornam pessoais e que são, muitas delas, depreciativas para os seus efémeros colegas comentadores. Isto acontece mesmo em sites de ciência ou economia, já para não falar de sites generalistas ou blogues pessoais. Mas o tal efeito maldoso é verificado na mudança de opinião daqueles que foram mais insultados pelos seus pares. As novas vítimas do bullying online são os comentadores intimidados, humilhados ou ridicularizados. A solução para evitar estas situações é não ter caixa de comentários. Ou guardar as opiniões para os amigos. É pena.

Conhaque
Marissa Mayer, a CEO da Yahoo, nunca mais saiu das notícias desde que foi nomeada para o cargo. Primeiro era por ser mulher, depois por estar grávida, depois porque não queria cumprir a licença de maternidade até ao fim, depois porque voltou e instalou um berçário no seu escritório. Por fim, porque proibiu os 11.500 funcionários da empresa de trabalhar a partir de casa. As últimas decisões foram muito comentadas na passada semana e estão de facto relacionadas entre si. Ao mesmo tempo que Mayer proíbe mães e pais de trabalharem de casa, manda construir um berçário para trazer o filho para perto de si. Porque é que não mandou fazer uma creche? Choveram acusações de traição por parte das funcionárias que a tinham apoiado no início, mas Mayer mantém o discurso das vantagens de falar com os colegas, ver as suas reacções, estar no mesmo sítio. E o que fazer ao berçário privado? Ó Marissa, trabalho é trabalho e biberão é biberão. 

Retirada daqui