terça-feira, 21 de julho de 2015

COLETE ECONÓMICO EUROPEU

Estar a milhares de quilómetros e a vários fuzos horários do epicentro da crise greco-europeia só tem vantagens.
 
1. Por um lado é uma mini-sabática temporária em relação àquilo que se assemelha a uma gaiola de ferro de onde não parece haver fuga possível. É que situação grega não é grega: é europeia. Por cada país super-deficitário tem de haver um super-excedentário. São posições recíprocas, certo?! Se na UE cerca do 80% de todas as relações económicas são internas então não é possível toda a gente ser ganhadora… ou é?! Num campo de obsessão ordo-monetarista nem todos conseguem ser “alemães” e nem todos estão condenados a ser “gregos”, correcto? Dentro de um inflexível espartilho alguma parte do tecido mole tem de dar de si, certo?! Enfim…

2. Estar longe e dessincronizado do paroxismo europeu confere toda uma verdadeira sensação de surrealismo a tudo o que se passa por lá (por aí, caro leitor). Estando deste lado permanentemente em sessões de trabalho, em análise de dados, em avaliação de política pública, em seminários técnicos, em contacto com decisores oficiais e em reuniões de deliberação o tempo que sobra para extras é muito pouco. Felizmente neste caso houve significativos progressos, resoluções fundamentadamente tomadas e um clima extremamente positivo e produtivo entre representantes nacionais, peritos e staff. Mas o contexto permite (precisamente como contra-ponto) imaginar-se o reverso: as reuniões descritas como tendo tido umas olímpicas 17 horas em circuito fechado com ambiente inter-pessoal e inter-institucional péssimo entre políticos e decisores europeus.

3. Estar fora e tomado a tempo inteiro por assuntos técnicos faz com que a atenção alocada seja escassa para o que se passa nesse continente anteriormente-conhecido-como-Europa. Portanto, só se acompanha por lampejos e “flashs” a deprimente situação euro-grega: que dá a sensação de ser um veículo a embater a alta velocidade contra uma parede mas em câmara-lenta … a Grécia é apenas a primeira parte a despedaçar-se contra a dura realidade, o resto da estrutura vai a caminho do mesmo fim.

4. Estando em várias paragens da América Central e do Norte fica-se com uma sensação de alívio temporário em relação aos vários problemas que afligem o velho continente. Mas, claro: há problemas em todo o lado. E o “novo mundo” não é excepção. A inenarrável fuga de um alto criminoso de uma prisão de alta segurança no México é algo estonteante que dá uma sensação de fim-de-ciclo ao momento político que se tem vivido nos últimos anos nesse importante país (aviso à navegação: atenção aos próximos tempos!). A contínua situação de crise política, económica e social vivida nas Honduras, país desestabilizado e inseguro, dá uma sensação de preocupação imensa quando outros países já conseguiram ir fazendo a sua emancipação da pobreza crónica (como até a Nicarágua). O facto da admirável proporção de parques naturais sobre o território nacional (um “record” internacional!) conviver na Costa Rica com uma esmagadora dependência de combustíveis fósseis (instigada por grupos de pressão) é uma situação altamente e profundamente frustrante.

5. Porém, atenção: com os Estados Unidos a crescerem os efeitos de arrastamento económico irão produzir os seus resultados em toda a meso-América e Caribe, a começar pelo vizinho México. Com o distender das relações cubanas/estado-unidenses as expectativas de desenvolvimento da região são indutoras de novos dinamismos ao nível de investimento, trocas comerciais e fluxos turísticos. Com o robustecimento das indústrias de exportação e logística da Colômbia e do Panamá temos efeitos de sinergias fortes a animarem as localizações e as actividades limítrofes.

6. Por outras palavras: este espaço centro-americano/caribenho está em contraposição à “Europa”, e não apenas em termos geográficos. Isto interessa, isto importa. Esta região (desde os EUA até à latitude equatorial) merece atenção especial de quem quer olhar para fora da camisa de sete varas em que foi metido. Isto é: os actores económicos e institucionais em Portugal precisam de diversificar as apostas e ir monitorando as bolsas de desenvolvimento, os mercados de acolhimento e os agentes-parceiros de alto potencial para o médio prazo onde quer que eles estejam.

7. Note-se ainda uma coisa: os bons exemplos que ultimamente têm vindo dos EUA não são apenas económicos. Se os há, então, vale a pena notar (pois não é todos os dias). O arrear da bandeira pró-esclavagista da Confederação, os telefonemas do Presidente a tentar meter juízo nos Europeus a respeito da gestão da crise euro-grega, o empenhamento numa resolução pacífica que inclua o Irão na normalidade internacional são todas elas iniciativas inteligentes (em primeiro lugar para o interesse próprio norte-americano … mas obviamente não só).

8. E até a candidata a próxima Presidente dos EUA faz alguns ruídos positivos. Hillary Clinton apresentou uma agenda económica com uma articulação racional e progressista: i) acabar com a impunidade dos criminosos económicos de Wall Street; ii) dificultar a evasão fiscal das multinacionais; iii) incentivar a remuneração mais justa das classes trabalhadoras; iv) melhorar a participação feminina no mundo do trabalho; v) priorizar os serviços educativos e médicos à primeira infância, vi) baixar o custo de acesso e frequência ao ensino superior; vii) reforçar os padrões sociais que condicionam a celebração de tratados comerciais inter-continentais, etc. Eis pelo menos um discurso que faz sentido. Já não é nada mau nos tempos que correm.

Sandro Mendonça, aqui