quinta-feira, 16 de julho de 2015

BOAS!

"Boas!" é uma interjeição. Pode dizer-se enquanto se vira as costas.

Cada vez me cumprimentam mais com "Boas!". É de manhã e de tarde. Ao princípio pensei que era uma abreviação de "Boas tardes".

Há um hábito irritante de dizer "bons dias" ou "boas tardes" quando se encontra mais de uma pessoa. Sendo várias pessoas basta um "bom dia" colectivo. Ou, vá lá, "uma boa tarde para todos".

"Boas tardes" significa um conjunto de tardes boas. Se fosse essa a intenção até seria um cumprimento estimável: "que não só esta tarde seja boa como também, já agora, uma meia-dúzia doutras também".

Agora "boas" sem mais nada - sobretudo de manhã - quer dizer o quê? Boas entradas (no dia que aí vem)? Que boas coisas lhe aconteçam durante o dia? Que boas são estas horas enquanto ainda estamos vivos?

Lentamente estamos a afastar-nos das (igualmente cansativas mas destituídas de qualquer frisson de novidade) perguntas como "Tudo bem?" ou "Então?". É que essas perguntas tinham o defeito de patrocinar respostas, desde o "Vai-se andando...que remédio..." até longos relatos de desgraças do agregado familiar.

Hoje, perguntar "Como está?" e "passou bem?", que até há pouco tempo eram meras formalidades, isentas de curiosidade ou de empatia, é exprimir uma vontade sincera de ouvir tudo o que aconteceu ao nosso interlocutor desde a última vez que o vimos.

"Boas!" é uma interjeição. Pode dizer-se enquanto se vira as costas. É um resíduo de um cumprimento. É um vestígio de civilização. Ao menos isso. As coisas ainda podem piorar. Mas pouco.

Miguel Esteves Cardoso, aqui