segunda-feira, 11 de maio de 2015

DA RESPONSABILIDADE MORAL DA MORTANDADE NO MEDITERRÂNEO

A depredação dos mais sagrados valores civilizacionais, o medo que domina os povos, explorados até ao tutano, determinam os êxodos de milhões de pessoas e a corrida para a morte, como último recurso de sobrevivência.
 
A mortandade no Mediterrâneo tem causas, responsáveis e culpados. Os piedosos discursos dos dirigentes da União Europeia configuram a mais despudorada hipocrisia e a indiferença mais sórdida. Não será difícil determinar que a invasão do Iraque despoletou uma onda tenebrosa de guerras e de conflitos em toda a bacia mediterrânica, aumentando as tensões e agravando os ódios, já bem espalhados naquela zona do mundo.
 
Os povos viram-se encurralados e submetidos às maiores humilhações. Está na memória a captura de Saddam Hussein e o vexame que sofreu, com os captores a observarem-lhe a boca, para examinar não se sabe o quê, e depois enforcaram-no em directo.

A invasão daquele país resultou de uma série de mentiras e de falsidades políticas. Ficou provado que não havia armas de destruição maciça, e que a existência de petróleo e de gás natural suscitara a cobiça dos americanos. A teia da invasão foi urdida nos Açores, durante um encontro entre W. Bush, Aznar e Tony Blair. Durão Barroso serviu de mordomo. Não participou no encontro e, enquanto os três senhores da guerra combinavam o morticínio, o pobre Barroso ficou a tomar um café, numa esplanada. A seguir, Barroso voltou ao continente e W. Bush e comparsas regressaram aos países respectivos. A guerra começou dias depois, apesar dos protestos do mundo e das indignações de um dos membros da comissão de inquérito, que testemunhara a impostura.

Bush e os outros ficaram impunes do crime hediondo, e Donald Rumsfeld, o sinistro secretário de Estado americano, preparou-se para "reconstruir" o Iraque, através das empresas de construção civil de que é proprietário. A infâmia deu origem a uma explosão generalizada de cólera em todos os países circundantes e ainda hoje pagamos o ónus. Há dias, vi nas televisões Pedro Passos Coelho a elogiar Barroso, que apareceu na imagem obeso e sorridente, feliz da vida e dos seus feitos. Uma vergonha inominável.

O regresso da ideia do Califado, o recrudescimento do "Estado Islâmico", as ofensivas de terror, o esvaziamento de qualquer sinal de esperança, as guerras, a fome e a miséria, impostas aos povos, são farinha do mesmo saco. A depredação dos mais sagrados valores civilizacionais, o medo que domina os povos, explorados até ao tutano, determinam os êxodos de milhões de pessoas e a corrida para a morte, como último recurso de sobrevivência. As máfias, que fazem o negócio das viagens para a Europa, têm de ser perseguidas e condenadas, por desprezíveis. Mas a fome, a miséria e o desespero provocados por esta política medonha da hegemonia de um povo sobre os outros, acentuada até ao impudor depois da queda do Muro de Berlim, não pode continuar, sob o risco do rebentar de uma guerra total, aparentemente cada vez mais próxima.

Devo dizer que sou tributário da cultura norte-americana, no que ela tem de mais vivo e progressista, mas não posso calar o meu protesto quando vejo que o "sistema", levado a estes extremos, causa dor e sofrimento a milhões e milhões de pessoas. O que ocorre, quase a todas as horas, no Mediterrâneo, resulta dessa ideologia, e todos aqueles que a apoiam e, conscientemente, não a combatem, são cúmplices do mais atroz dos crimes contra a humanidade. Vladimir Pozner, grande escritor, autor de alguns livros que ajudaram a formar gerações de jovens, escreveu que "o que interessa aos Estados Unidos não interessa certamente ao resto do mundo". Ressalvando o excesso, é evidente que há muito de verdade na asserção. Seria bom que reflectíssemos, com serenidade mas com espírito crítico, acerca das responsabilidades morais que países "hegemónicos" têm, nesta terrível actualidade.
 
Baptista Bastos, aqui