quarta-feira, 21 de agosto de 2013

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO


O princípio da precaução parece ter encontrado atenção entre nós quando a brutal crise financeira, económica, e inevitavelmente social, se abateu inesperadamente sobre a sociedade civil, e abalou o sistema financeiro, que não tinha sido acompanhado eficazmente nos seus desvios marcados por casos identificados, que não contagiaram o sistema geral, mas atingiram a metodologia seguida pela autoridade encarregada de vigilância prudencial.

Entretanto, a sociedade civil vai sendo expropriada dos seus empregos, recursos, poupanças, haveres, e direitos da aposentação alicerçados nos recursos próprios que colocou à guarda e gestão do Estado.

Para além disso, as opiniões públicas, sobretudo ocidentais, afetada a confiança em que se baseiam as sociedades politicamente organizadas, perguntam se a invenção Estado está ainda capaz de governar a recuperação, ou se precisa de reforma. Um dos aspetos mais enervantes é o de à diminuição dos recursos das pessoas e famílias, causados pelas expropriações financeiras soberanas determinadas pela crise, e logo dos recursos estaduais, e sem poder ignorar que, pelo menos desde 1970, o saber da evolução foi explicando que o crescimento do bem-estar das populações, em função do progresso científico e técnico, tinha o passivo da poluição, a exigir a precaução crescente em conferências internacionais, reafirmada no Tratado de Maastricht em 1992, e depois em vários textos internacionais, com definição a discutir, e que várias decisões judiciais vão esclarecendo.

Esta lembrança, sumária, é apenas para ajudar a admitir que o princípio da precaução está inteiramente relacionado com a falta de informação das populações em todos os domínios.
Anda citada uma passagem de George Steiner (Le Figaro, 15-10--2007), que é a seguinte: "Enganamo-nos sempre: [...] nos seis meses que precederam o 25 de Junho de 1950, a palavra "Coreia" não apareceu uma só vez antes da ofensiva norte-coreana. Quarenta e oito horas antes da queda do Muro de Berlim, ninguém o invocara. É necessário que cada um tenha um pouco de ironia em relação a si próprio. Enganamo-nos muitas vezes, a um ponto que não podemos sequer medir."

A questão é que esta frequência do erro pode levar a descansar, mesmo sem crença, em que Deus decidirá, uma atitude que o credo do mercado muitas vezes exibe, incomodado com o princípio da precaução que o Estado social exige, e que os avanços da ciência não dispensa, como está a evidenciar-se com o abuso da domesticação da energia atómica.

Não faltam porém conselhos no sentido de moderar ou mesmo de evitar um uso chamado abusivo, como o Presidente George Bush quando ordenou a invasão do Iraque, com o fundamento de que "se esperamos que a ameaça se materialize completamente, é evidente que esperamos demais", uma das razões pelas quais um crítico aconselhava que "o princípio da precaução deveria ser reformado se fosse aplicado a si próprio (J. de K., Rameses, 2012)".

Quando procedemos à avaliação do esgotamento das energias não renováveis, à escassez de alimentos e recursos médicos para socorrer populações na miséria mais inadmissível, quando enumeramos as formas de conflitos armados conduzidos por forças legais ou ilegais, incluindo as privadas, e quando sabemos que nestes últimos conflitos apenas os complexos militares industriais saem ganhadores, é difícil aceitar que o princípio da precaução prejudica o desenvolvimento, e impede o neoliberalismo de manter a liberdade de ser ele a reconhecer os melhores, que são os triunfadores do mercado.

Não parece possível que o ataque ao princípio da precaução, no mundo de futuro indecifrável que estamos a organizar seja admissível sem que uma escala de valores seja respeitada, e todos advertidos da regra histórica de que os conflitos armados surgem facilmente de acontecimentos fúteis.

Neste mundo sem bússola, o princípio da precaução, por difícil que seja de concretização em cada caso, é o princípio orientador que resta.

Adriano Moreira, aqui