Francisco Sá Carneiro não terá sonhado com tão perversas implicações da palavra de ordem que lançou nas eleições presidenciais de 1980 e cuja derrota nem ele nem Adelino Amaro da Costa, por trágicas circunstâncias, puderam testemunhar.
O círculo fecha-se com um ponto de interrogação: - um Governo, uma Maioria, um Presidente? - Mas não resta dúvida de que apenas o Presidente da República sustenta este Governo descrente, desacreditado e sem emenda.
Escrevia ironicamente, nesta coluna, uma semana antes da leitura do "funesto" acórdão, que o "Tribunal ainda não se pronunciou mas está fechado mais um ciclo deste "meticuloso" processo de alienação e desresponsabilização política: se o Governo cair não será por causa dos seus erros nem por falta de solidariedade do Presidente, porque tudo terão feito para evitar uma crise política!".
Escrevia ironicamente, nesta coluna, uma semana antes da leitura do "funesto" acórdão, que o "Tribunal ainda não se pronunciou mas está fechado mais um ciclo deste "meticuloso" processo de alienação e desresponsabilização política: se o Governo cair não será por causa dos seus erros nem por falta de solidariedade do Presidente, porque tudo terão feito para evitar uma crise política!".
Embora o Tribunal Constitucional tenha apenas confirmado, no essencial, as "suspeitas" dos vícios de inconstitucionalidade que lhe foram comunicadas pelo próprio Presidente, paradoxalmente, o Governo não caiu e o mesmo Presidente iria conceder, sábado à tarde, a sua bênção ao primeiro-ministro que se obstina em governar contra a Constituição - que é o fundamento da legitimidade de ambos mas também a fonte da autoridade do Tribunal Constitucional que tentam transformar em "bode expiatório" dos seus erros e fracassos.
O poder judicial é o definitivo garante da legalidade democrática e da ordem constitucional. Porque "as decisões judiciais prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades" e todos estão obrigados ao seu cumprimento: cidadãos comuns, Governo, deputados e Presidente. As leis são frequentemente violadas, independentemente do seu grau de perfeição e, muitas vezes, a própria administração, as polícias, o Governo, são acusados de as transgredir.
Se a violação das leis não fosse punível, se ninguém se encarregasse de as fazer respeitar, triunfavam fatalmente a prepotência e a tirania. Inventaram-se os tribunais para que as regras do jogo não possam variar ao longo da partida, ao sabor da conveniência do mais forte. Um poder soberano mas "politicamente neutro", titulado por agentes - os juízes - constrangidos por inúmeras exigências e incompatibilidades que visam também assegurar a sua "neutralização" contra ameaças de instrumentalização de forças económicas e sociais.
O poder judicial independente é, neste sentido, o derradeiro garante do Estado de Direito Democrático. A necessidade de "neutralização política" é sobretudo evidente na função específica atribuída ao Tribunal Constitucional: garantir o respeito da Constituição, mesmo contra maiorias parlamentares conjunturais, e proteger os valores perenes dos direitos humanos, do pluralismo político e da alternância democrática contra qualquer ameaça de subversão.
E por isso, se é inaceitável que o primeiro-ministro queira transformar os juízes em seus interlocutores - como fez na deplorável comunicação ao país - ainda mais grave e aberrante é tentar confundi-los com vulgares agentes políticos e culpá-los pelo falhanço e pelas graves consequências económicas e sociais que resultam exclusivamente de uma governação desastrosa que a todo o custo pretendem manter.
Este comportamento não denuncia apenas uma genuína cultura antidemocrática. Tem que ser designado pelo seu verdadeiro nome: "terrorismo"! A maioria que governa, que legisla e que chefia o Estado, passou à fase da agressão violenta aos tribunais e aos cidadãos... e o Presidente terá em breve de escolher o seu lado da barricada.
Sem emenda nem remorso pelas quatro infrações cometidas contra a Lei Fundamental que todavia juraram cumprir, o Governo foi descendo todos os degraus de decência e passou abertamente ao terrorismo administrativo e financeiro, como se lê no despacho assinado por Vítor Gaspar, onde este se dá por vítima do poder judicial, à semelhança de muitos reclusos a cumprir pena nos estabelecimentos prisionais.
A política transformou-se numa obscenidade. Não há diálogo possível com o terrorismo.
Retirada daqui