terça-feira, 13 de novembro de 2012

WILLKOMMEN FRAU MERKEL

Aprender com a Alemanha é mais produtivo do que arranjar bodes expiatórios para os problemas que nós mesmos criámos.

Dá ideia que não nos interessam os problemas e as suas origens nem busca das melhores soluções. Basta que haja alguém a quem possamos atribuir a responsabilidade primeira e última das nossas desgraças que já ficamos reconfortados e revigorados.

Precisamos de um rosto no saco de boxe? De um nome para animar as manifs? Ela aí está. Angela Merkel é, nos dias que correm, o rosto das causas e consequências da desgraça portuguesa. Pouco importa a real responsabilidade da chanceler alemã pela nossa desgraça (que é nenhuma) e pela terapia que está em curso - que é escassa.

Fomos nós, colectivamente, que nos trouxemos a este beco sem saída. Empresários, consumidores, banqueiros, contribuintes, trabalhadores, políticos e governantes - que, convém não esquecer, são eleitos em sufrágios cuja validade democrática nunca foi contestada. E foi um desses governos que assinou o memorando da troika a que o país se vinculou, que, de resto, mereceu também a aprovação dos dois partidos que agora governam. Democracia não são só direitos. Significa também que a responsabilidade é colectiva quando as políticas dos eleitos são desastrosas.

Merkel apoia a política de austeridade? Sem dúvida. Ela di-lo todos os dias. E essa é uma realidade que os alemães conhecem de um passado recente.

Um pouco de memória não nos faria mal, ainda que seja pouco mobilizadora para os protestos públicos.

Na década passada houve um único país da Europa a 27 que praticou uma severa política de moderação salarial: a Alemanha. Entre 2001 e 2010, os salários reais alemães caíram, em média, 0,3% ao ano. Em Portugal, aumentaram 0,8%. Repare-se nos dados de 2009, o ano negro da recessão pós-crise financeira: na Alemanha os salários reais aumentaram 0,2% e em Portugal 5,2%. Note-se: 5,2% em ano de forte crise, numa economia pouco competitiva e quando já era visível aos olhos de quase todos o que aí vinha.

A boa condição económica de que a Alemanha goza hoje, apesar de tudo - algum crescimento económico induzido pelas exportações, desemprego de 6,5% e desemprego jovem de 8% (em Portugal é de 34%...) - é, em grande parte, o fruto desse trabalho iniciado há mais de uma década, que permitiu ganhos de competitividade.

Este aperto salarial alemão não foi uma medida isolada. Na primeira metade da década passada, o governo alemão reduziu subsídios de desemprego e outros benefícios sociais, flexibilizou o mercado de trabalho, cortou o valor das pensões e aumentou a idade da reforma. Preocupado com a perda de competitividade, agiu preventivamente. O autor? Gerard Schroeder, social-democrata da família socialista europeia, coligado com Os Verdes de Joschka Fischer. A boa governança e a responsabilidade financeira têm mais a ver com culturas nacionais do que com famílias ideológicas, como se vê.

O que se pede agora aos alemães é que, depois de pagarem a sua própria austeridade - à medida das suas necessidades - paguem também a dos outros. E o que pedimos a Merkel é que seja tão irresponsável com os seus contribuintes como os nossos governantes foram connosco. Pensamos mal. Devíamos exigir que a nossa governação se aproximasse dos padrões germânicos e não o contrário. Devíamos ser mais exigentes, nivelar por cima em vez de promovermos uma corrida para a mediocridade.

Foram medidas impopulares, que custaram a Schroeder a permanência no poder. Mas responsavelmente alguém teria de as tomar. Lá, tomaram-se mesmo. Cá, no meio da irresponsabilidade reinante, ninguém quis saber.

Este estado de negação nacional, esta recusa em assumir os nossos erros colectivos, esta busca de responsáveis externos quando eles são “dos nossos”, não nos levará a lado nenhum. Culpa-se a troika, culpa-se Merkel, culpa-se a taxa de juro do resgate (é o juro mais baixo que Portugal paga em décadas), culpa-se a chuva e culpa-se o Sol. Todos são responsáveis, menos nós. Como se vê.

Paulo Ferreira, aqui