quinta-feira, 5 de abril de 2012

ÁGUA INQUINADA?

Questionava-me alguém, na passada Sexta-Feira: - afinal, depois de ler o jornal, fiquei sem perceber grande coisa sobre a questão da “água”…
… desabafei: - Não foste só tu. Também muitos dos que votaram não perceberam e também eu, porque não consigo fazer futurologia, tenho algumas reservas.
Falamos de um complexo projecto de investimento (SRC II), orçado em 30,4 M€, cujo estudo vem de 2004 (nove anos) e que passara, “sem discussão” nem cuador, nas várias Assembleias Municipais, onde já fora sujeito a plebiscito e cujo dossiê – Plano Investimento, Alteração Estatutos da AMCV e um “prolongamento de Concessão, de 10 anos, sem contrato - foi trazido à aprovação da AM Águeda em 24/02.
O que é o SRCII (Sistema Regional Carvoeiro II)? Globalmente, é um projecto concebido no pressuposto da adesão de mais dois municípios à AMCV-Associação Municípios Carvoeiro-Vouga (O. Bairro e Vagos) prevendo ainda, para além de uma ETA (Estação Tratamento Água, de superfície) que ultrapassa um custo de 10M€, a construção de mais 30 Km, no município de Águeda e ainda 46Km, nos municípios de Vagos e O.Bairro, de condutas (aduções) para água potável bem como intervenção, em 2020, na Barragem da Redonda.
Então mas esta não é uma obra importante para todos os municípios envolvidos e também para Águeda? Afinal porquê tanta celeuma?
É importantíssima. E é por o ser que questões e dúvidas, relevantes, se colocaram à volta do problema. Inicialmente levantadas pelo CDS-PP e corroboradas pelos restantes partidos. A proposta foi retirada e desceu à Comissão de Ambiente da AM para que recolhesse elementos capazes de proporcionar uma votação inequívoca e em consciência, de toda a Assembleia.
Com base nos elementos (in)disponíveis a Comissão elaborou um primeiro Parecer e, tantas eram as dúvidas e a falta de elementos para análise sobre diversos cenários, que recomendou à AM que votasse contra a Proposta em apreço. Este Parecer – não esperado - gerou uma imediata “reação”, por parte algumas relevantes figuras políticas, do círculo – numa estranha pressão, inicialmente sobre o Presidente da Comissão - e que “obrigou” o Presidente da Câmara a retirar, em 5 de Março, a proposta de votação para que a mesma não fosse chumbada.
Foi então agendada, para 10 de Março, uma reunião de trabalho na sede da AMCV, para esclarecimentos e recolha de elementos fundamentais para análise e emissão de um segundo Parecer, por parte da Comissão de Ambiente.
Na posse de mais elementos a Comissão reuniu e elaborou dois outros documentos, enviados aos membros da AM na manhã de 15 de Março: o seu Parecer 2/2012 e um outro documento orientativo (de alternativa), necessariamente referencial e desprovido de rigor económico-financeiro, a que chamou de Sugestão de Reformulação de Projeto.
Por um lapso, foi enviado aos membros da AM não o 2º Parecer mas sim o 1º Parecer (já apreciado) e ainda o documento de Sugestão de Reformulação de Projeto. Por uma mera casualidade, por volta das 16H45 um dos membros da Comissão detectou esta lamentável “falha” e alertou o Presidente da Comissão para que reenviasse de imediato o 2º Parecer (o que foi feito para os serviços de apoio à Assembleia e, simultaneamente, para os e-mails individuais de cada um dos seus membros, disponíveis na base de dados pessoal. É, no mínimo, estranho que nenhum dos membros da Assembleia, até às 17H00, do dia da Assembleia, não se tenha “queixado” a nenhum dos membros da Comissão de ter recebido uma repetição do primeiro parecer – datada de 2 de Março - em vez do 2º Parecer que foi datado de 14 de Março. Isto leva à básica – e lamentável – conclusão que nenhum (?) dos membros da Assembleia terá lido o Parecer. O que de algum modo se concluiu na Assembleia. Este pequeno “incidente” deverá fazer-nos reflectir sobre a seriedade, conhecimento, competência e rigor de muitas das votações paridas desta Assembleia Municipal, independentemente do seu sentido, que desprestigiam o colectivo mas sobretudo, individualmente, cada um dos seus membros. Não é em vão que algumas vozes vêm clamando que a Assembleia tem “membros a mais” e que alguns estão tão “fora” dela que mais justificaria nunca lá terem entrado. Eu sou uma dessas vozes que esperei que, a Reforma Administrativa pudesse vir trazer, pelo menos neste aspeto, alguma verdade e dignidade às AM?!
Sucintamente, que alguns aspectos estiveram e estão em causa, de bons e de menos bons, neste “aquífero” processo que divide opiniões e o que se poderá esperar no futuro?
- Violação clara dos princípios da concorrência (extensão de uma concessão sem concurso público o que – independentemente do parecer favorável agora, ao fim de nove anos, da ERSAR, porque já houvera parecer negativo – não abona a favor da transparência do negócio público). Se atentarmos nas dúvidas que, creio, todos temos sobre o papel e eficácia das Entidades Reguladoras, neste país…
- Não há certeza que em Concurso Público não se pudesse chegar melhores condições negociais. Os envolvidos no negócio dizem que não.
- Argumentos de ordem moral. O entendimento que pertencendo as ADVouga (concessionária) a um grupo de empresas pertencentes, também, um tal Sr. Névoa – envolvido em caso de suborno: o conhecidíssimo Bragaparques versus vereador Sá Fernandes - o negócio assumiria contornos imorais. Digamos que o tema recolhe alguma minha concordância já que pessoas e/ou empresas a elas ligadas, alguma vez condenadas em tribunal por jogo de influências, corrupção ou peculato nas suas relações profissionais ou de negócios com o Estado, deveriam ser exemplarmente punidas e banidas da esfera da contratação pública.
- Apesar de instado a fazê-lo, quer pela Comissão quer, individualmente, pelos partidos, o Presidente da Câmara “furtou-se” a remeter o seu parecer à Assembleia Municipal. Lamentavelmente o Presidente da AM, a tempo algum lho exigiu ou se referiu publicamente a este pedido (a não ser que também não tivesse, sequer, lido o 1º Parecer da Comissão, o que não acredito). A reacção final de Gil Nadais – de alguma “desonestidade política” - deveria fazer reflectir porque ficou claro que, para além das dúvidas pessoais sobre o modelo, “quis impor” um negócio do qual desconhecia a reais consequências em cenário de rejeição.
- Este projecto vem “aliviar” a AdRA de investimentos que lhe caberia fazer, na ordem dos 2M€ - referentes a necessidade de remodelação e ampliação de rede - sem que isso reflicta contrapartida no bolso dos consumidores e lançou para a discussão pública o incumprimento contratual (unilateral) da AdRA, no que se refere a Águeda (16M€ de investimentos previstos até final 2012 e ainda nada feito), apesar das Tarifas não terem parado de subir.
- O Contrato, deixa a critério, apesar de algum mapeamento de ajustes, uma certa “amplitude” negocial entre Concedente (AMCV) e Concessionária (AdVouga) – em nome do bom entendimento - o que não é um bom princípio de “gestão pública”.
- Deixa em suspenso hipotéticas indeminizações compensatórias, por atraso de obra, onde a responsabilidade cabe exclusivamente à Concedente.
- Configura um género de mais uma PPP (Parceria Público Privada) que, tomando como exemplo as Scut, estima projecções de consumo mínimas que, se não forem cumpridas, obrigarão a Concedente (AMCV) de ter de “indemnizar” a Concessionária no âmbito dessas projecções. Logo se os munícipes consumirem menos água não deixarão, por isso, de ver reflectido nas suas contas os montantes já garantidos à Concessionária.
- Os ganhos de escala não se repercutirão seguramente, como é habitual, se bem que indirectamente (via AdRA), nos bolsos do consumidor.
- Não é líquido – nem verdade - que os Municípios não tivessem a capacidade financeira suficiente para se substituir à Concessionária na “componente privada” do investimento. Mas isso, por várias razões, também não lhes interessa.
Finalmente que vantagens, nucleares, resultam deste investimento?
- Acudir às necessidades de Vagos e Oliveira do Bairro, com problemas complicados de fornecimento de águas às populações
- Melhoria previsível – depois da construção da nova ETA (Estação Tratamento Água, de superfície) – da qualidade e do volume dos caudais de água disponíveis para os 8 municípios da AMCV.
- Melhorar e ampliar a rede e Investir num Plano de Contingência, através da operacionalização da barragem da Redonda (2020).
Como é normal acontecer, sejam quais forem o contornos e decisões… o munícipe pagará. Berra mas paga. Se não pagar não bebe. Sempre assim foi porque… não há almoços grátis. Pena que não se tenha conseguido forçar um Contrato mais transparente, mais equilibrado e de conteúdo mais “pragmático”, menos propenso a hipotéticas “negociações e ajustes (des)compensatórios” que, quando se verificam, deixam sempre o consumidor (indefeso) à beira de um ataque de nervos.
Penso que, para além do mais, esta discussão volta a deixar alguns motivos de reflexão profunda. As ilações… cada um que as tire.  

António Martins, no 'Região de Águeda' de 4 de Abril de 2012