“Em
todos os lugares onde morais, as cidades serão destruídas e os lugares altos
serão arrasados, de maneira que os vossos altares serão derrubados e demolidos,
os vossos ídolos imundos serão quebrados e destruídos, os vossos altares de
incenso serão arrasados, tudo o que fizestes será eliminado” (Ez.6,6).
“Serão
arrasados os lugares altos de Isaac, os santuários de Israel serão destruídos”
(Amós, 7,9).
“Todo
o vale será aterrado, toda a montanha e colina serão aplanadas”… (Lc.3,5).
Vou pedir perdão a Deus e não aos
homens, que jamais me perdoariam, por esta minha veleidade seguinte.
É que se fosse eu a governar as
cidades, vilas e aldeias iria fomentar, nesta sociedade, determinadas
metamorfoses para evitar o desacerto de alguns dos seus membros se
encavalitarem sobre os outros que, sendo mais pobres e menos capazes, se tornam
bases de sustentação, só porque não atingiram, como aqueles, os bens de matéria
ou a esperteza para se alcandorarem nos lugares proeminentes.
Por este facto, a minha proposta aparece
no sentido duma postura, fundada e bem alicerçada no cumprimento obrigatório,
para rapidamente se demolirem todos os arranha-céus, os primeiros, segundos,
terceiros e seguintes andares onde se abrigam famílias encaixotadas, sem
ocasiões nem espaços de diálogo fraternal ou qualquer colaboração
contextualizada. É nessas áreas que se constroem as sociedades ditas, e de
verdade, anónimas onde cada um vive o seu mundo, isolando-se dos restantes
habitantes, provocando assim o aumento feroz do egoísmo e desconhecimento entre
si. Os primeiros não “conhecerão” nunca os segundos que, por seu turno, em
nenhuma vez, poderão afirmar a sua identidade e personalidade.
E porque não quero aparecer como
arauto ou profeta da desgraça, para o que acabo de expor alvitro soluções que
me parecem cabais.
A terra é extensa e livre, devendo ser
ocupada e arroteada na sua lonjura. Advirão daí vantagens de toda a ordem,
porque qualquer indivíduo poderá viver no seu espaço não calcando ninguém e
também longe de ser pisado pelos outros; haverá víveres para todos pois, na sua
leira, descobrirão a capacidade de trabalhar e o gosto alegre de comer daquilo
que produzem no respectivo quintalejo, por seu esforço e saber; poderá cada um
olhar o vizinho como semelhante e amigo e não o inferior ou superior; todos
arrumarão a sua morada e os do rés-do-chão não terão de suportar o lixo daqueles
que teimam viver calcando ou incomodando quem pertence ao escalão do nível
inferior.
Acabam-se as escadas e os ascensores
para os, sempre, sôfregos de subir mais alto ultrapassando, grotescamente, os
pequenos.
Num terreno plano haverá ainda
hipótese de melhores condições para a deslocação e mais capacidade de ajuda
pois toda a gente está no mesmo patamar, tanto nas necessidades como nas
potencialidades de atenção às carências dos seus patrícios. Ouvir-se-ão, com a
nitidez da alta definição, os gemidos dos pobres e chagados.
Assim, pode ser que, pela
obrigatoriedade de se construírem moradias em pisos únicos ao longo da terra
vazia, evitando-se as agressões bárbaras aos planos urbanísticos harmoniosos,
as pessoas se tornem mais próximas e iguais, descortinando até as coisas com
olhos menos vesgos e capazes de adquirirem um horizonte visual rasgado e
consciente.
Vamos, portanto, “arrasar” a
sociedade, isto é, envidar todos os esforços e conhecimentos para tornar os
homens mais humanos, grandes, humildes e contributivos.
Padre Manuel Armando, no 'Jornal da Bairrada' de 22 de Março de 2012