A Europa será governada por Berlim; viverá em empobrecimento profundo e acelerado e com uma forte tentação para soluções governativas anti-democráticas.
Hoje quase ninguém tem dúvidas sobre o desastre iminente do euro e da União Europeia. Nem sequer aqueles que, no último ano meio, cimeira após cimeira, se congratulavam com as “decisões históricas” aí tomadas. Independentemente das decisões e dos rumos que forem tomados na próxima cimeira de 8 e 9 de Dezembro, já desenhados no discurso da chanceler alemã, no Bundestag, onde os destinos dos povos europeus passaram a ser tratados, uma coisa é certa: mesmo que seja travada a implosão do euro – o que ainda não é um dado adquirido –, a UE deixará de ser um espaço de solidariedade e do bem-estar social.
No mínimo, durante a próxima década, a Europa será governada por Berlim; viverá em empobrecimento profundo e acelerado, com a destruição massiva de direitos, nomeadamente na área do Trabalho, da Saúde e da Educação, e com uma forte tentação para soluções governativas anti--democráticas. A Europa que conhecemos até aqui está a ser engolida pelas suas contradições e incapacidades políticas e, sobretudo, pelo poder do sistema financeiro.
Como é bom de ver, não foram os portugueses que lançaram a Europa neste pântano em que se afunda, apesar de algumas vozes, por má-fé ou fé partidária, ainda insistirem em atribuir as culpas da nossa situação aos últimos dois governos socialistas. Quanto a culpados internos, o mínimo de decência política e honestidade intelectual exigem, para não irmos até à expulsão dos judeus em finais do século XV, princípios do século XVI, que expiemos as nossas “culpas” a partir dos governos do PSD, chefiados por Cavaco Silva, após a integração europeia, período em que as vacas eram gordas e o dinheiro chegava a rodos da União Europeia, regressando ao esbanjamento do tempo do ouro e das especiarias. Mas, pelo panorama que se conhece, não estávamos sós na escolha do modelo de “desenvolvimento económico” e na tentação de usar o crédito fácil a juros baixos, com que o sistema financeiro a todos aliciava – gregos e espanhóis, italianos e irlandeses, mais coisa, menos coisa, seguiram as mesmas pisadas e as mesmas miragens. Até que o endividamento se transformou numa corda lançada pelos “senhores do dinheiro” à volta do pescoço dos estados europeus, aproveitando o facto de o BCE não ser um verdadeiro Banco Central, como em qualquer outro Estado soberano.
Aqui chegados, são já inevitáveis os tempos incertos e de empobrecimento generalizado que se avizinham, em toda a Europa, mas particularmente nos países com economias mais frágeis e mais endividados. A austeridade violenta que é exigida e que vai prosseguir com muitas outras medidas, por tempo indeterminado, a recessão económica prolongada que está à vista, o aumento significativo do desemprego de longa duração, a saúde e a velhice desprotegidas, milhões de jovens sem expectativas de trabalho e de futuro são um barril de pólvora a que só falta chegar o fósforo ao rastilho. A senhora Merkel está a reunir as condições para que surja, nos próximos anos, um exército de novos “descamisados” que nada tem a perder. A explosão social que pode atingir a Europa não vai partir dos mineiros retratados de forma crua e dura, no “Germinal”, de Emile Zola. Nem sequer dos trabalhadores rurais pobres descritos nas “Vinhas da Ira”, por John Steinbeck, durante a Grande Depressão de 29. E, muito menos, dotados da organização e do aparelho clandestino com que a classe operária brasileira resistiu à ditadura de Getúlio Vargas, tal como Jorge Amado descreve em “Os Ásperos Tempos”. Tu do vai ser diferente. Não há “classe operária”, nem “partidos do proletariado”. Não há Marx, nem Lenine. Mas creio que o empobrecimento da Europa feito, assim, de forma violenta, comandada a partir da Alemanha, vai provocar novos protagonistas e novas formas de contestação social e rebeldia. Se uma nova Europa está na forja, é provável que, em oposição, surjam também novos movimentos sociais. Faz parte da História da Europa, sobretudo desde a Revolução Francesa. Vamos aguardar.
Tomás Vasques, aqui