quarta-feira, 16 de novembro de 2011

ESTE PAÍS É PARA ARISTOCRATAS

Em qualquer academia civilizada, as pessoas são tratadas somente pelo nome próprio.

Num colóquio americano, por exemplo, um académico é identificado (na mesa e no peito) apenas pelo primeiro nome. Lá, é assim.

Cá, não é bem assim. Num colóquio da velha academia portuguesa, o académico é "o senhor professor catedrático x". Há uma necessidade aristocrática de fincar linhagens e hierarquias. Certa vez, num colóquio qualquer, uma senhora, mui distinta, chegou junto de mim, estendeu-me a mão, e disse: "olá, eu sou professora catedrática na faculdade x da universidade y", e só depois é que teve a gentileza de me indicar o seu nome.

Que fiz eu? Bom, já que estávamos em matéria de linhagem, não quis deixar meus créditos em mãos alheias: "olá, o meu nome é Aragorn, filho de Arathorn, neto de Elendil". A senhora não achou muita piada, e nunca mais me falou. Ainda hoje não percebo porquê.

Lembrei-me deste episódio por causa das cómicas declarações de Pedro Dias, director da Biblioteca Nacional (Expresso de sábado). De forma mui aristocrática, Pedro Dias recusa submeter-se a um concurso público e, por isso, vai abandonar o cargo. Justificações? "Tenho CV para aqui estar. Vou concorrer com quem? Com os meus alunos?". Querem mais? Ok, aqui têm: "fui o mais jovem académico da Academia de Belas Artes, aos 33 anos. Sou o mais antigo nas áreas do património. Alguém com o meu CV não concorre". Já estão enjoados? Ok, ainda bem que não, porque há mais: "Nunca concorri a cargos públicos e não é agora que vou começar". Que nível. Que espírito kantiano. Que ética republicana, meu Deus. Ó meu Deus, um professor de Coimbra, meu Deus.

E, agora, o leitor mais desatento pergunta: "mas se ele é tão bom, por que razão tem medo do concurso?". Na resposta, devo dizer que não se trata de medo da concorrência, ora essa. Já sabemos que Sua-Excelência-Professor-Doutor-Pedro-Dias-the-first é imbatível, já sabemos que Sua Exa. é o Ronaldo e o Messi das bibliotecas. Não, o problema não é a concorrência, mas a própria ideia de concurso público. É isto que faz confusão ao Professor Doutor Pedro Dias. E eu até percebo, sim senhora: não se fazem concursos públicos em regimes aristocráticos.

Henrique Raposo, aqui