quarta-feira, 30 de novembro de 2011

EPITÁFIO DE UM PAÍS

Na semana passada, a economia foi o bombo da festa. Nem tudo é economia clamaram Soares e Carvalho da Silva.

A greve geral serviu para reiterar o desacordo com a política da troika na interpretação do actual Governo. As centrais sindicais saíram da jornada do dia 24 mais entaladas do que entraram, não tanto pela mobilização (a do costume), nem pelas reivindicações (as do costume) mas pelos incidentes ocorridos.

O potencial de violência existe. Por isso mesmo, a convocação de próximas "jornadas de luta" e a probabilidade de que as mesmas lhes fujam ao controlo hão-de ser muito bem ponderadas e escrutinadas, podendo limitar a capacidade de acção dos sindicatos que talvez assim possam redescobrir o potencial da concertação social.

Quanto ao Governo, espera-se que não acredite na ridícula percentagem de adesão que anunciou e se preocupe com a elevada quota da população que, em inquéritos fidedignos, considerava justificada a greve geral. É um sinal de natural descontentamento, mesmo que muitos achem as medidas inevitáveis e, por essa e outras razões, não tenham aderido à paralisação. O quero, posso e mando e o iluminismo das maiorias absolutas são perigosos. Em democracia justifica-se um maior empenhamento em informar e explicar a situação. Se assim não for, aquela massa anónima acabará por deixar a sua letargia, tornando-se presa fácil de projectos populistas.

Não creio que seja essa a intenção de Soares quando apela à mobilização dos portugueses. Timing à parte, o manifesto que subscreveu suscita, implicitamente, uma questão de fundo: terá o modelo social--democrata viabilidade em Portugal? Será que nem tudo se pode submeter à economia? E, se sim, até onde se pode ir?

Um cenário extremo pressupõe o reforço da intervenção do Estado para corrigir as distorções induzidas pelo mercado. Provavelmente ancorar-se-ia no regresso das nacionalizações e teria uma forte componente redistributiva. Com o país endividado e sem recursos, não se percebe como se financiariam estas políticas. Tal como não se percebe como será tudo isto compatível com a pertença a certas instituições internacionais.

A não ser que acreditem numa nova ordem internacional, o resultado seria o isolamento de Portugal e um empobrecimento dramático, cujo único mérito, se assim o podemos chamar, residiria em todo o esforço ser partilhado e equitativamente distribuído. Obviamente, nunca ouviremos a elaboração total deste cenário, embora só nesse contexto se possa conceber a concretização de muitas das reivindicações apresentadas.

No outro extremo, a economia e o mercado dominam. Perante a base produtiva e a falta de competitividade da economia portuguesa, uma alternativa liberal apenas terá viabilidade com uma enorme descida salarial, acompanhada pela diminuição da presença do Estado na economia e uma redução dos direitos sociais. Não é claro que o nível médio de rendimento venha a cair, mas parece óbvio que serão os assalariados e, entre eles, os funcionários públicos que suportarão a maior parte dos custos deste processo de ajustamento e que as desigualdades se acentuarão.

Estes dois modelos têm um ponto em comum: uma democracia mitigada. Entre eles haverá espaço para a social-democracia, com o seu investimento num Estado de bem-estar social que se manifesta, entre outros, na oferta de educação e num serviço nacional de saúde universal e gratuito e num sistema de segurança social e de reformas generoso? Com maior ou menor rigor e generosidade, foi isso que os sucessivos governos, até este, prosseguiram.

É isso que as pessoas querem, porque não lhes disseram que tudo isso tinha um custo. É isso que estamos, hoje, a pagar. É isso que, com a estrutura económica existente, não é possível. Embora ligados, o problema principal não é de redistribuição, é de produção. Portugal, tal como o conhecemos, acabou. Será que só nos restam os cenários extremos? Com a desagregação do Euro cada vez mais provável, talvez estas opções se nos ponham mais cedo do que tarde.

Alberto Castro, aqui