quarta-feira, 28 de setembro de 2011

CEM DIAS DEPOIS

Cem dias depois, as almas estão convencidas: a crise é grave.

Começa nos nossos pecados, é certo, mas alimenta-se da especulação financeira e da crise das dívidas soberanas, acabando na incapacidade política da chamada União Europeia.

Hoje, nenhum português, mesmo com cartão de partido, tem dúvidas disto. É sempre um bom princípio que o doente tenha a consciência da doença.

Cem dias depois, o melhor do Governo tem sido a convicção inabalável do ministro das Finanças. Por enquanto só deu praticamente para o caminho mais fácil, ir à receita, sempre com o Trabalho a pagar, mas Vítor Gaspar merece o benefício da confiança quanto à convicção de também diminuir a despesa (e a grande riqueza?)

Cem dias depois, sabemos que este ainda não é aquele Governo que vai cumprir com fidelidade um contrato com o eleitor. Os impostos aí estão a prová-lo. Há sempre uma desculpa, e nem precisaria de ser colossal.

Cem dias depois, o caso da Madeira foi um teste político a Pedro Passos Coelho, que o ganhou com sentido de Estado, e a prova de três coisas: nenhum partido pode cuspir para o ar, a regulação e a fiscalização não existem, e os portugueses - olhando para esta tropelia intencional - já podem imaginar o que sente um europeu do norte quando lhe falam de nós, e da responsabilidade com que gerimos o dinheiro: Jardim há muitos.

Cem dias depois, com o Orçamento do Estado para 2012 à porta, tem de se começar a falar da economia. Há um trabalho que dá para uma legislatura. Não é só apoiar exportações, apostar na marca Portugal, fazer diplomacia económica. É preciso actuar nas leis do trabalho, agilizar a Justiça, rever a fiscalidade. Há boas intenções, o futuro mostrará os resultados.

Cem dias depois, com as dificuldades que estão pela frente, os cortes na saúde, a diminuição do subsídio, o aumento do desemprego, a precariedade laboral, a obrigatoriedade de chegar aos 3% de défice em 2013, é certo que as centrais sindicais acabarão por descer à rua, e várias vezes. Se forem tão respeitosas quanto Mário Nogueira quando se deparou com Passos Coelho, não haverá grandes convulsões. Mas até aqui há que estar preparado. A necessidade aguça o engenho tanto quanto testa convicções.

Cem dias depois, o Governo continua atento e venerando ao lado de Angela Merkel, à espera das obrigações de dívida europeia que nos salvariam, sempre bem comportado em relação ao Poder do eixo, que hoje humilha a Comissão Europeia. Com o peso que sentimos na consciência e o vazio que temos na carteira, também se calhar não podia ser muito diferente...

João Marcelino, aqui