O jantar tinha sido servido. A sala estava cheia, quente, abafada, povoada. Na mesa mais ruidosa, a dos militantes do Ribatejo que se deslocaram “em carro próprio” até Oliveira do Bairro, ecoavam gargalhadas espalhafatosas, derramadas sobre os copos cheios de tinto. Subitamente surgiu um burburinho diferente na sala, uma agitação qualquer, uma tensão nervosa.
Uns gritinhos de senhora. As mãos sobre os cabelos. Ar de nojo. O som abafado do arrastar das cadeiras de plástico de pessoas que admitiam sair da sala. Houve quem pusesse guardanapos sobre a cabeça. Mais uns gritinhos de senhoras muito maquilhadas. O olhar de condenação irónico, por parte de alguns machos com quatro botões da camisa abertos, mostrando os pêlos do peito e o fio de ouro.
Ele falava no palanque. É cabeça de lista por Aveiro, tinha que correr tudo na perfeição. Era a sua noite, no seu distrito. O sorriso cintilante e os gestos firmes de Portas disputavam a atenção perante aquele outro protagonista da noite de Oliveira do Bairro. Um morcego, perdido, atarantado, cego pelos holofotes, surdo pelas palmas, gargalhadas e gritos, inebriado pelo cheiro dos perfumes, do vinho e da carne assada. Voava, tonto, sobre os ninhos de cabelos arranjados.
Portas é de palco. Não gosta que lhe tirem protagonismo. O povo devia estar ali para ouvi-lo e não para admirar um solitário morcego. Chegou a desvalorizá-lo: “não se preocupem com o morcego, é como as sondagens”. Mas o povo não tirava os olhos do tecto. Portas tinha de mudar de estratégia. Enfrentou-o cara-a-cara: “meu caro morcego”, disse. A estratégia resultou, ao sentir os sorrisos na sala. “Será um indeciso”, acrescentou confiante. Agarrava a sua plateia. O povo voltava a olhar para o palanque. Colocou a mascarilha, vestiu a capa e convidou o morcego para ser o seu Robin. O protagonista voltava a ser o Batman.
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