Quando leio que Otelo Saraiva de Carvalho diz que se soubesse que "era para isto" não tinha feito a Revolução do 25 de Abril, a única coisa que me ocorre pensar é que está tudo louco.
Explicam-me que atitudes como esta podem ser fruto dos céus e da influência dos planetas que não auguram grande tranquilidade para os próximos tempos e deixam as pessoas muito instáveis. Mas o que me parece mesmo é que este é um desabafo comum ao de muitos portugueses que ficam acabrunhados perante as adversidades.
Acabrunhados ou arrependidos, duas magníficas características deste povo que não se libertou do peso da inquisição e que mal as coisas dão para o torto tem logo necessidade de limpar o pecado com a autoflagelação.
Imagine-se o que seria da nossa história se Vasco da Gama se tivesse arrependido de ter descoberto o caminho marítimo para a Índia ou se Pedro Álvares Cabral tivesse feito o mesmo em relação ao Brasil. Ou até se Afonso Henriques não tivesse dado uma bofetada na mãe e posto na ordem os nuestros hermanos. A verdade é que lamentar os passos que se deram no passado não adianta nada. Um destes dias - já faltou mais - vamos todos clamar pela união a Espanha e considerar igualmente que a adesão à Comunidade Europeia foi o maior erro das últimas décadas.
O melhor mesmo é aceitar as coisas como são e dar-lhes nomes. A actual situação em que Portugal se encontra resulta apenas de não termos sabido usar a liberdade e a democracia para construir um país diferente.
Se consultarmos o L'Observateur da OCDE, publicado em Fevereiro de 1974, verificamos alguns dados curiosos: em 1972 tinham emigrado 108 mil portugueses para a França, a Alemanha e os Estados Unidos; só a Turquia (69,4%) e a Grécia (37,3%) tinham mais percentagem de população activa empregada na agricultura que Portugal (30,6%); o PIB per capita era de 780 dólares (penúltimo lugar da tabela a seguir à Turquia - 440 dólares); o consumo de electricidade per capita era inferior ao milhar (884 kwh), o que também só acontecia na Turquia (260 kwh); só 6,6% da população tinham acesso ao ensino superior (5,6% na Turquia) e havia apenas 92 telefones, 74 automóveis e 49 televisores por cada mil habitantes.
Olhando para os números de ontem e de hoje, a única coisa que nos salta à vista é que 37 anos depois deixamos de ser comparados com a Turquia e a Grécia em número de telefones (temos mais telemóveis que população), carros e televisores. Ficou a faltar-nos uma outra revolução, a mais importante, a das mentalidades. Talvez seja a "isto" que Otelo se referiu quando resolveu fazer o seu mea culpa. Só pode ter sido.
Maria de Lurdes Vale, aqui