segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 DE ABRIL SEMPRE

Nunca fui de frequentar comícios ou manifestações.

Pela mão dos meus pais fui à manifestação do Primeiro de Maio, logo depois da Revolução, e a dois comícios da AD, no tempo de Sá Carneiro. À da Fonte Luminosa não me levaram, foram os dois porque tinha de ser, de ditaduras estavam eles fartos.

Já espigadote, muito entusiasmado com a campanha à Presidência de Freitas do Amaral, andei, feito tonto, em caravanas e comícios.

No entanto, a partir dos meus vinte e poucos anos comecei a ir todos os anos à manifestação comemorativa do 25 de Abril na Avenida da Liberdade.

No princípio era quase uma forma de protesto. Não suportava, como ainda hoje não suporto, a forma como alguns se tentam apropriar da data, do que ela representa, do seu mais sagrado significado. Aquele dia não era dos que tinham querido substituir uma ditadura por outra provavelmente pior, não era uma ocasião para fazer campanha partidária. Perdia horas a tentar convencer gente, de direita como eu, a ir comigo. O 25 de Abril era nosso, dos da direita e da esquerda democrática, dos crentes na democracia liberal, dos amantes da liberdade, da igualdade de oportunidades, da justiça para todos, dos defensores da regra sagrada um homem um voto, da liberdade de associação, da liberdade económica, do princípio da separação dos poderes, da superioridade do poder político sobre todos os outros poderes, da liberdade religiosa, da liberdade de expressão. Não podíamos deixar que nos tirassem a nossa data, a nossa festa.

Como em todas as celebrações colectivas há algo que nos une a todos os outros, e razões muito nossas.

A cada ano havia menos gente a partilhar os meus valores fundamentais, mesmo estando em campos ideológicos distintos. Todos os anos, na manifestação, se notava um maior sectarismo, cada vez era mais claro que aquilo se tinha transformado numa acção pública de saudade do período negro do PREC, em que uma minoria destruiu o nosso sector produtivo e quase conseguiu impor uma nova ditadura.

Eram as minhas próprias razões, as minhas memórias, que me arrastavam para a Avenida todos os anos até que, cobardemente, desisti, e deixei aqueles que não mereciam a tomar conta da minha, da nossa, manifestação.

De cravo ao peito, que religiosamente continuo a usar no 25 de Abril, esteja cá, esteja no Butão, relembrava um dos mais felizes dias que vivi em casa dos meus pais. Da tia Isabel, em lágrimas, agarrada à minha mãe porque o tio José António já podia regressar do exílio, do meu pai a berrar a Grândola Vila Morena, do Júlio a contar o que tinha visto no Largo do Carmo, "ninguém quer os gajos. Eh pá, a malta anda aos beijos aos soldados", da minha avó Conceição a perguntar se o meu tio Manuel já podia regressar da Guiné.

Tinha oito anos. Não sei se é a minha memória ou a que os meus familiares próximos me inculcaram, mas o sentimento guardado era o de tudo ser possível a partir daquele momento. De ter o destino nas mãos, de poder decidir, de ter um irmão em cada rosto, dum sentimento de profunda união. O futuro ia ser melhor porque o íamos construir juntos, como a cidade da música do José Afonso, sem muros, nem ameias.

Amanhã, gostava de regressar à Avenida da Liberdade. De levar os meus filhos e com eles me sentir próximo de gente - estarão poucos ou nenhum - que ainda se lembra dos verdadeiros valores de Abril. Sobretudo da tal sensação de tudo ser possível, de sermos capazes, do futuro ser nosso. Não me lembro doutra ocasião, em trinta e sete anos, em que fosse tão necessário relembrarmos o que sentimos no dia 25 de Abril de 1974.

Hoje é dia 25 de Abril. É tempo de acordar.

Pedro Marques Lopes, aqui