segunda-feira, 21 de março de 2011

CRÓNICA DOS TEMPOS DO FIM

1. No momento em que escrevo estas linhas, o Governo está reunido em Conselho de Ministros extraordinário (na mais manifesta acepção da palavra).

O ponto único da agenda é constituído pela revisão das medidas do PEC IV. Ainda sem conhecer as conclusões, permito-me adiantar o óbvio: o Governo vai ensaiar mais uma tentativa impossível para desfazer a desmesurada sequência de trágicos enganos em que escorregou na última semana.

O mais natural nestes momentos derradeiros, especialmente propícios a atabalhoamentos, é que o Governo tente remediar o leite já derramado e reincida na comprovação do ditado: "é pior a emenda do que o soneto"...

Fora de tempo, forçado pela ânsia desesperada de atirar para cima dos outros as culpas que são exclusivamente suas, este Governo à beira do fim vai tentar aliciar os mais distraídos com a mágica transformação das medidas de austeridade do PEC IV em açucarados apoios públicos a tudo e a todos - este triste método pré-eleitoral já foi iniciado com a farsa da metamorfose das pensões de reforma, cujo congelamento e amputação foi anunciado por Teixeira dos Santos, para, mais tarde, Sócrates apregoar, sem que uma réstia de pudor lhe embargasse a fala, que as ditas pensões até vão ser aumentadas, afinal!

2. Com o PEC IV repisa-se o erro de querer descer a despesa pública à custa das pessoas - ao mesmo tempo que se deixam incólumes os milhares de institutos públicos, fundações e demais organismos redundantes e perdulários que enxameiam a Administração Pública apenas para benefício das clientelas partidárias.

Mas este caso é um daqueles em que a forma é tão ou mais importante como o conteúdo - se as medidas de austeridade noticiadas são nefastas e não atacam a razão de ser do problema da despesa pública, o procedimento escolhido para as anunciar revela um desprezo inquietante pelas regras mais elementares de um Estado de Direito democrático.

O primeiro-ministro e o ministro das Finanças assumiram um pesadíssimo compromisso internacional e europeu sem terem poderes e legitimidade para o fazerem - já que usurparam o papel do Parlamento nas costas desse mesmo Parlamento. Empenharam a palavra de Portugal desconsiderando a dignidade institucional do presidente da República. Nada disseram aos partidos - o breve telefonema de véspera de Sócrates a Passos Coelho não passa de um esforço ameninado visando envolver, à pressão, o líder do PSD nos desacertos governamentais. Sócrates comportou-se como se o seu Governo fosse o único e exclusivo órgão do Estado de Direito português.

Este Governo em agonia exorbitou as suas competências externas com o intuito simplório de salvar a sua própria pele cá dentro - e não, como tentaram propalar, para nos salvarem da emergência em que enfiaram o país. Sobretudo, o ainda primeiro-ministro provou que é a crise em cima da crise. Hoje já é claro que para iniciarmos o percurso de cura da doença financeira e económica temos, primeiro, de nos reabilitar politicamente - o que só acontecerá com um novo Governo e um novo primeiro-ministro.

3. Nas vésperas da abertura do ano judicial, alguma Imprensa deu eco de um suposto escândalo que envolveria a mulher do ministro da Justiça, Alberto Martins. Estranhei o momento. Ainda mais, tratando-se de um político com décadas de experiência e que nunca deu ocasião para qualquer dúvida acerca da sua honorabilidade. Tentei saber o que se passava para além da espuma das notícias. Descobri que existiram dezenas de decisões idênticas - antes, depois e ao mesmo tempo daquela que estaria em causa. Percebi, ainda, que nesta história deplorável transborda a figura opaca de um ex-secretário de Estado visivelmente ressabiado por ter sido afastado por Alberto Martins. Posso não concordar com algumas das políticas do actual ministro da Justiça - mas tenho-o como um homem probo como quase todos que o conhecem. A vingança(zinha) é o lado mais indigno que a politiquice encerra.

Carlos Abreu Amorim, aqui