terça-feira, 14 de dezembro de 2010

VALE A PENA ACREDITAR EM PORTUGAL

1 - Antes do mais, duas prevenções necessárias. A primeira é que sou, por natureza, um optimista.

A segunda é que este testemunho é dado no dia dos anos, circunstância que não é, de todo, alheia a um reforço especial deste meu optimismo.

2 - No meio deste clima negativo, não posso deixar de dizer que há razões múltiplas para achar que devemos continuar a acreditar em nós. Das dificuldades do mundo estamos todos conscientes, a começar na crise financeira e a terminar nas injustiças sociais gritantes. Das vicissitudes europeias temos pleno conhecimento, em particular da falta de uma linha de rumo clara na União Europeia, das intervenções casuísticas, tardias e de contornos e efeitos largamente imprevisíveis.

Das dificuldades da situação nacional damo-nos conta todos os dias, com relevo para o estrangulamento do acesso aos mercados financeiros, os problemas da dívida soberana, os cortes de salários, a ausência de uma solução de governo maioritária, estável e credível.

3 - Dito isto, são, ainda assim, múltiplas as razões para continuarmos a acreditar em nós próprios.

A primeira dessas razões tem a ver com a resiliência do povo português. Dito por palavras mais simples, a capacidade que as pessoas vão mostrando, todos os dias, para resistir às dificuldades montando redes de solidariedade por todo o país. Redes essas que se viram no recente peditório para o Banco Alimentar contra a Fome, no apoio que se multiplica no poder local, nas escolas e através de instituições empresariais e envolvendo ainda milhares de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e as Misericórdias.

É impressionante ver como quem tem pouco, ou muito pouco, ainda consegue dar alguma coisa aos que têm menos ou não têm mesmo nada. A solidariedade demonstrada revela um carácter e uma personalidade de um povo capaz de se unir para as horas de provação que nos esperam.

Uma segunda razão para continuarmos a acreditar vem das nossas crianças e dos nossos jovens, com a sua vontade de aprender e progredir. E prova disso é o recente relatório PISA que mede os conhecimentos dos adolescentes de 15 anos dos países da OCDE (e de outros países associados), que permite extrair uma nova perspectiva para a educação em Portugal.

E, nessa medida, quanto ao futuro dos nossos jovens, é relativamente indiferente que tenha havido factores mais favoráveis na elaboração do estudo de 2009 em relação ao de 2006. O facto é que, na decifração do texto em Português e nos exercícios matemáticos, os inquiridos portugueses revelaram uma aproximação à média dos Estados da OCDE. É positivo e é muito estimulante, no que significa de aposta no sistema educativo e de formação, assim podendo ajudar a mudar o país nas próximas décadas.

Por último - e limito-me apenas a algumas razões para o meu optimismo -, hoje é visível um consenso nacional quanto àquilo que é preciso fazer rumo à mudança pretendida. É certo que persistem as guerras partidárias e que os debates muito acesos continuam. Mas é inegável que nos políticos, nos professores, nos economistas, nos politólogos, e sobretudo no cidadão comum, é patente um estado de espírito baseado num realismo que nem sempre tem existido no país. Há um diagnóstico muito certeiro e uma abertura a um período de decisões e medidas complicadas, mas que têm de ser assumidas.

Quando as sondagens revelam, talvez com algum sebastianismo e ilusão nas virtudes alheias em contraste com as capacidades próprias, que os portugueses estão preparados para uma possível intervenção do FMI, isso significa, até mais do que a inevitabilidade da intervenção, que já compreenderam que vão ter de mudar de vida para que, a prazo, nasça um país melhor do que o que existiu num passado recente. Este realismo, este cair em si, esta noção muito precisa do que se passa, é uma razão adicional para entender que vale a pena continuar a apostar neste país que já viveu melhores dias, a apostar nos portugueses, dentro e fora das fronteiras, e sobretudo nos portugueses mais jovens que chegarão quase até à viragem do século XXII.

4 - Numa palavra, vale a pena continuar a acreditar em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa, aqui