quinta-feira, 21 de outubro de 2010

PARA SAIR DO BURACO A UNIÃO FAZ A FORCA

"In illo tempore" dizia-se que mais valia cair em graça do que ser engraçado. Nunca ninguém duvidou de que era melhor cair em graça do que ser desgraçado. Mas hoje pode bem dizer-se que mais vale cair em desgraça do que ser engraçado.

O Chile, que até é um país engraçado, com um formato curioso e um caleidoscópio de imagens atraentes, só agora, que lhe caiu uma desgraça em cima, é que veio para as bocas do mundo por boas razões. Isto, claro, para quem acha que a propaganda do tempo de Pinochet não era por boas razões...

Este fim-de-semana, realizou-se no magnífico edifício da Alfândega do Porto aquele que continua a ser o maior, mais abrangente e mais internacional certame de moda do país: o Portugal Fashion. Esta edição, que assinalou o 15.º aniversário deste projecto que a ANJE e as associações têxteis que constituem hoje a ATP puseram de pé em boa hora, foi uma das mais mediáticas dos últimos anos.

Este aumento de mediatismo, justo, deve-se ao aumento da quantidade e qualidade dos desfiles, ao aparecimento de novidades no seu formato, à parceria com alguns dos bares que integram hoje a nova movida da Baixa do Porto e a mais uma mão-cheia de razões, todas elas positivas.

Apesar disso, este mediatismo não teve paralelo com o da segunda edição do Portugal Fashion, que constituiu um marco decisivo na afirmação da sua notoriedade nacional e internacional. Nesse ano de 1996, vieram desfilar ao Porto várias top models de renome mundial, com a alemã Claudia Schiffer à cabeça, cuja presença no Porto foi considerada incontornável, depois do estrondoso sucesso obtido na primeira edição no ano anterior.

Acontece que, apesar de todos estes estímulos, aquilo que tornou esta segunda edição do Portugal Fashion verdadeiramente mediática e inesquecível não foi a graça das top models, foi a desgraça do incêndio que devastou a sala do Coliseu do Porto.

A operação de resgate dos mineiros chilenos não é pois a primeira (nem será a última) situação em que uma desgraça se transforma numa grande oportunidade de marketing.

A tendência que para mim é preocupante é a crescente desfaçatez e pouca vergonha com que a sociedade e alguns dos seus membros mais responsáveis intervêm nestas situações. E se aproveitam delas.

Para além das desgraças colectivas, também as desgraças pessoais começam a fazer carreira cada vez mais mediática na sociedade portuguesa e na cena internacional. Os funerais e as doenças terminais são hoje terreno de exposição e de exibição pública, com uma falta de pudor e de bom senso que em alguns casos já roça o insulto.

Sou do tempo em que um acidente de viação com mais de três mortos era "celebrado", porque garantia a manchete do jornal. Mas não quero ser do tempo em que toda a gente parece só ser capaz de se empolgar com as desgraças dos outros ou com as tragédias de terceiros.

Devo dizer que não tenho particular orgulho em viver num país onde a desgraça é que patrocina a união. Desde pequeno que me habituei a saber que a união é que faz a força. Não a forca.

Manuel Serrão, aqui