quinta-feira, 21 de outubro de 2010

SOBREVIVER PARA CONTINUAR A SUBIR A MONTANHA*

Para quem aceitou, há mais de vinte anos, ser autarca do concelho de Oliveira do Bairro há que reconhecer que, apesar de perdidas muitas das ilusões, não está perdido, ainda, o ideal de continuar a preconizar para o exercício do poder local a defesa intransigente dos interesses das freguesias e do concelho.

Durante mais de cinco mandatos (o sexto está em curso), foram feitas coisas certas e coisas erradas, e algumas provavelmente mesmo muito erradas: é a eterna sina de quem faz… porque só não erra quem nada faz.

Mas tudo o que tem sido feito, tem obedecido sempre àquele ideal: o da defesa intransigente dos interesses dos fregueses e dos munícipes, muitas vezes em absoluta fractura com silêncios unanimistas que, alheios à realidade, vão cumprindo o seu papel de veneradores de um conformismo que se afunda, com perda de dignidade, de prestígio e de respeito, envolto numa pomposa aura que proclama grandezas amorfas assentes em discursos de uma circunstância que tresanda a decadência.

Contra isso tem havido insurgência, com atitudes de ruptura através do único caminho possível: a pública tomada de posição em nome dos princípios em que se acredita, e que visam a defesa do rigor e da transparência, e o respeito pelos direitos individuais dos colaboradores da autarquia.

Não tem sido um combate fácil nem cómodo, numa luta pela inversão da situação, onde poder e oposição se defrontam com armas desiguais, e onde ainda há quem não tenha percebido que em democracia, o poder não é mais importante do que a oposição, pois todos têm um papel essencial a desempenhar em prol da administração, local ou não, e que a oposição é absolutamente necessária à administração desse poder, pois é a oposição que fiscaliza, e sem fiscalização não há democracia nem estado de direito.

Na passagem do primeiro ano de mandato em curso, são já visíveis alguns ganhos de causa: a transcrição, ainda que sucinta, dos pedidos de esclarecimento e das respostas dadas na abordagem aos assuntos de interesse concelhio, nas actas das reuniões da câmara municipal; a titulação dos apoios financeiros aos clubes desportivos sob a forma de contratos-programa de desenvolvimento desportivo onde sejam clarificados os objectivos do apoio concedido e as obrigações assumidas pelos clubes beneficiários;a distinção entre suspensão de mandato e impossibilidade pontual do respectivo exercício; a análise em privado de procedimentos tendentes à instauração de processos disciplinares; a sinalização de lagoas desprotegidas; a colocação de sinalética na imediação de um estabelecimento de ensino; a recuperação de uma zona verde adjacente a um pólo escolar; a rectificação de erros, laspos e omissões seja em propostas seja em regulamentos, seja no própria informação instutucional do município; o acolhimento de uma proposta de atribuição do nome de uma figura concelhia de relevante destaque a um espaço público municipal; a limpeza de inestéticos vergões nas plataformas de uma cascata de água, o alargamento do horário de funcionamento de sanitários públicos, ou até  o reconhecimento do direito de abstenção na votação sobre o aditamento à ordem do dia, são já pequenas vitórias em favor do bem comum, que respondem a indicações ou sugestões suscitadas no local próprio.

Mas ainda há muito caminho a percorrer; um caminho que passa essencialmente pela alteração de uma mentalidade formatada sob o 'quero, posso e mando', que considera legítimo manter os vereadores na ignorância do que vai sendo decidido pelo concelho, apenas e só porque a lei não impõe esse conhecimento; que considera legítimo deixar por explicar a fundamentação de despachos proferidos pessoalmente para alterar ou anular deliberações do órgão que as aprovou, seja para alterar condições de empréstimos bancários seja para anular procedimentos concursais para admissão de pessoal; que tem como regra de actuação o recurso ao ajuste directo decidido à revelia do executivo.

Nada de estranhar num município em que o poder é mais lesto a despachar um ajuste directo para uma festa do que a decretar luto municipal pelo falecimento de um ex-autarcas, e onde nem sequer se imagina que há dias comemorativos cuja passagem não pode ser ignorada, seja alusivos à música, à alimentação ou até à autonomia do poder local.

Por isso mesmo, só com esforço, tenacidade e preseverança outros vencimentos hão-de ser obtidos.

Para isso, é necessário sobreviver para continuar a subir a montanha, mesmo que por vezes a linguagem pareça uma barreira intransponível, concretamente quando se pergunta por alhos, e a resposta é sobre bogalhos: mas como diz a canção, "I Will Survive"!


E porque, ao que parece, dinheiro não é problema que afecte o município de Oliveira do Bairro, antecedem este texto as imagens do MozART GROUP, uma sugestão que deixo ao presidente da câmara para contratação por ajuste directo, sem redução a escrito (mesmo que seja ultrapassado o prazo de 20 dias entre a prestação do serviço e a data da notificação da sua adjudicação), por preço a pagar, obviamente em data anterior à que vier a constar do caderno de encargos que venha a ser aceite (como aconteceu, pelo menos com o Rui Veloso quando esteve na última FIACOBA).

Estão muito enganados os que pensam que é preciso que aconteça uma qualquer hecatombe para vencer a demagogia ou para evidenciar a mentira....

É preciso muito pouco... , muito pouco mesmo.

Basta apenas ter-se a razão ao lado... e cada vez mais munícipes, sempre e cada vez mais cientes do que verdadeiramente se vai passando... implacavelmente... ainda que silenciosamente.

Há-de chegar o momento do regresso a casa.

*versão integral do artigo publicado na pág. 2 da edição de hoje do JORNAL DA BAIRRADA.