segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O PREÇO DA EDUCAÇÃO

É tempo de regresso às aulas e de fazer contas. Há as matrículas, as mensalidades, as propinas, o material e os livros escolares, a alimentação, o alojamento, as actividades extracurriculares. Gastos sem fim que os pais vão pagando. Uns com mais ginástica do que outros. A Pública foi conhecer quatro famílias e as suas despesas.

Família Mira 3 filhos:
"Ao fim de alguns anos é que uma pessoa percebe quanto custa realmente educar um filho"

As despesas da educação de três filhos são um fardo pesado para uma família de classe média lisboeta. Rita é responsável pelo atendimento num serviço público. O marido, José Mira, é topógrafo. Grande parte do orçamento familiar é destinado à educação deles, admite a mãe. O objectivo é dar pelo menos um curso a cada um. Para isso, é preciso definir prioridades. E optar. Muitas vezes.

Rita admite que quando decidiu engravidar não fazia planos a longo prazo. "Ao fim de alguns anos é que uma pessoa percebe quanto custa realmente educar um filho."

A família tem casa própria, herdada, e isso é "uma grande ajuda". Grande parte do orçamento familiar é destinada à educação de Salvador, 20 anos, de Rita, 18, e de Zé Maria, 12. E todos têm de fazer cedências.

Decidiram inscrever Zé Maria no Colégio Valsassina - os irmãos sempre frequentaram escolas públicas - porque a mãe tem horários "complicados" e achou que numa escola pública ele não iria ter o acompanhamento necessário. "Os outros têm uma diferença de idades de apenas dois anos, por isso andaram sempre juntos." Rita garante, apesar de tudo, confiar na qualidade do ensino público.

Salvador esteve durante todo o ano a estudar para o exame nacional de Matemática A, a que chumbou no ano anterior. Quer candidatar-se a Engenharia Informática, em Lisboa. Não foi tarefa fácil. Precisou de explicações nos últimos dois anos: primeiro a 35 euros à hora, depois a 25. A irmã também andou em explicações a Geometria Descritiva: 160 euros por mês correspondiam a duas horas semanais. Por causa disso, Zé Maria teve de abandonar as aulas de Inglês no instituto Cambridge, que tinha uma mensalidade de 90 euros. "As explicações são uma renda", queixa-se a mãe. "Não podia tê-lo no colégio, no instituto e aos outros nas explicações. Ele estava a ir bem na escola, mas se algum dia precisar tirará um curso intensivo de Inglês." Todos os filhos passaram por um instituto de línguas, mas individualmente.

Se o mais velho não conseguir colocação no ensino superior público em Lisboa, é possível que o Zé Maria tenha de ser transferido para uma escola oficial. "Não sei como vai ser, mas tenho esperança de que ele consiga entrar em Lisboa. Estou a equacionar as hipóteses de público ou privado. Espero não ter de pensar numa terceira, que implique ele ir estudar para fora de Lisboa", diz. "Se for no privado, vou ter de arranjar mais 300 euros não sei de onde."

Mas a mudança é certa para o filho mais novo quando terminar o 3.º ciclo, porque aí a irmã também já estará na faculdade. "Cheguei a ponderar tirar o Zé Maria do ensino privado quando ele passou para o 7.º ano, mas acabei por tentar aguentá-lo lá até ao final do 9.º", conta.

Os gastos com o colégio onde matriculou Zé Maria rondam os 450 euros mensais, alimentação e ténis, a actividade extracurricular que escolheu, incluídos. "A alimentação é uma coisa muito cara nos colégios. Até ele ter entrado, havia a opção de levar um cesto [com o almoço] de casa", lamenta. "Sempre seriam menos 130 ou 140 euros por mês."

Rita Mira já está a prever mais despesas do que o habitual para o ano que aí vem. "Nunca tive nenhum filho na faculdade, mas presumo que seja caro", desabafa. "E o mais novo e a Rita têm de comprar livros. Os do mais velho não deram para a irmã por serem de áreas diferentes. Mesmo assim sempre conseguimos alguns das minhas sobrinhas."

Ainda as férias não terminaram e já os pais portugueses se queixam do preço dos manuais escolares. À medida que os alunos vão progredindo, o preço dos manuais vai sendo cada vez maior. Se no 1.º ciclo do ensino básico, a antiga escola primária, os pais gastam em média 25 euros, no secundário já é preciso contar com um valor dez vezes superior, dependendo dos cursos.

No ano lectivo que passou não teve de se preocupar com os manuais para Rita, que conseguiu aproveitar os de uma amiga. Só gastou com Zé Maria. Mais de 200 euros. "Estive a ver a lista e este ano vou gastar 222 euros só em livros para o mais novo", adianta. Mas este ano o colégio ofereceu aos pais a possibilidade de os pagar em duas prestações: uma antes das férias e outra em Setembro. Já é uma ajuda.Depois de somado o material, o valor desembolsado só na altura do regresso às aulas ascende aos 400 euros. Rita garante que durante o ano deverá gastar cerca de 1000 euros em livros e material. Faltam ainda as máquinas calculadoras. O esquema repete-se: compra-se uma para o mais velho que vai passando para os mais novos. E os computadores. Salvador e Rita têm um portátil para cada um.

Há também o dinheiro gasto em vestuário, que a mãe garante não ser excessivo. "Os meus filhos nunca foram muito de exigir roupas de marca, felizmente. Mesmo assim faço muitas compras nos saldos e nos outlets e aproveitei muita roupa do filho mais velho para o mais novo. Também passamos roupas de uns amigos para os outros."

"Setembro e Outubro são péssimos", queixa-se Rita Mira. "Vou tentando todos os meses pôr algum dinheiro de parte. Tiro sempre um bocadinho para um pequeno mealheiro, digamos, porque já sei que vou precisar."

Nas férias também é preciso poupar. Têm de ser gozadas dentro de fronteiras. Costumam passar duas ou três semanas numa casa que os pais de Rita têm no Algarve.

Os filhos também são poupados. Especialmente Rita. Ela e Salvador almoçam sempre em casa. "A escola tem uma cantina, mas os meus colegas costumam almoçar fora. Se vier a casa, não gasto tanto dinheiro", diz. A mãe conta que já tiveram uma semanada, que decidiu extinguir, porque os filhos acabavam sempre por pedir mais dinheiro. "Mas em Setembro vou voltar a instituir a semanada. Com regras."

A filha tem o hábito de guardar o dinheiro que recebe por ocasião do Natal ou do aniversário. "É muito poupada", não se cansa de repetir a mãe. Mas, confessa a filha, é a mãe que paga os materiais de que vai precisando para a escola, que são "muito caros". "No décimo ano foi pior, porque tive de comprar muita coisa", recorda. Mas o material que sobrou desse ano serviu para os seguintes e a despesa já não foi tanta. "E por acaso", interrompe a mãe, "os professores dela são sensatos nesse aspecto, porque vão pedindo o material ao longo do ano lectivo." Só quando é realmente preciso.

"Eu acho que eles têm noção de que nós fazemos um esforço. Infelizmente os ordenados hoje em dia não são nada de especial", lamenta. "Mas temos de pensar na educação e no futuro deles e o nosso objectivo é dar pelo menos um curso a cada um."

Família Azeredo 7 filhos:
"Nem sei como é que conseguimos"

Sete filhos são muitos filhos. Mesmo para um pai arquitecto, Francisco Azeredo. A mãe, Paula Azeredo, que trabalha no Museu Nacional de Soares dos Reis, avisa antes de qualquer questão que não faz ideia de quanto gasta com cada filho. "Só sei que no final do mês não sobra nada."

Decidiram apostar quase tudo na educação dos "pequenos", como lhes costuma chamar: Zé Maria, 24 anos, Francisco, 23, Maria do Carmo, 21, João Maria, 19, Mariana, 16, Constança, 14, e Fernando Maria, 9.

Quando chegou a altura de irem para a escola, a preferência dos pais recaía para um colégio de jesuítas, que consideram "óptimos educadores". Mas não havia nenhum no Porto. "Pensámos então no ensino bilingue." O Colégio Alemão do Porto não ficava longe de casa e com a comparticipação do Estado alemão - que foi diminuindo desde a queda do Muro de Berlim - os preços eram acessíveis comparativamente aos dos outros externatos. "E se o primeiro teve a oportunidade de ir para o colégio, os outros terão também", pensaram na altura. E assim, um por um, todos passaram pelo colégio.

No ano passado, os dois mais novos ainda o frequentavam, mas apenas a Constança vai continuar este ano. "Nem todos conseguem habituar-se à exigência do ensino bilingue", explica Paula. Chegaram a ter quatro filhos naquele colégio ao mesmo tempo. "Nem sei como é que conseguimos", comenta a mãe. "Havia mais trabalho", responde-lhe Francisco. A propina anual do Colégio Alemão ronda os 3500 euros (há colégios bilingues que podem chegar aos 12 mil euros), mas o valor para o jardim-de-infância aproxima-se dos 4400 euros. Depois de analisar a situação financeira da família - que tem tido a casa em obras de remodelação - e o bom aproveitamento de Constança, o colégio determinou que os pais deverão pagar apenas metade da propina. Fernando Maria vai frequentar este ano uma escola pública - tal como aconteceu com os irmãos que abandonaram o Colégio Alemão. "Corre para estudar piano e não para fazer os trabalhos de casa." Vai continuar com as aulas de piano na escola Silva Monteiro. O Estado paga metade da mensalidade, os pais ficam encarregues da outra - 60 euros. E, se tudo correr bem, a partir do 5.º ano frequentará o ensino artístico musical articulado. Aí a aprendizagem do instrumento será gratuita e substituirá algumas disciplinas. Também Mariana, que inicia o ensino secundário, em Ciências, estuda numa escola pública.

Mas as despesas com os filhos da família Azeredo vão muito para além destas contas. Os preço de uma refeição nas escolas do Estado não chega a 1,40 euros. No colégio, fica por pouco mais de três, mas os filhos "levavam umas sandochas de casa", conta Paula. "Nunca tiveram semanada." E o prolongamento das tardes no Colégio Alemão - que foi necessário para o Fernando no ano passado - também tem um custo no colégio: 700 euros anuais.

Todos os filhos frequentaram actividades extracurriculares. "A aprendizagem de um instrumento custa sempre 50 ou 60 euros, pelo menos", garante Paula. Mas há escolas mais caras. Na Valentim de Carvalho, onde João Maria aprende saxofone, os custos atingem os 120 euros mensais. João Maria ainda está indeciso, contam os pais. Mas certamente enveredará pela área da música, ao nível do ensino superior.

Faltam os livros e o material escolar - Setembro e regresso às aulas significam dores de cabeça para muitos pais. A família Azeredo resolve-as da mesma forma que muitas outras: com livros em segunda-mão. "No final de cada período, o Colégio Alemão proporciona a venda de livros usados. São os alunos que organizam", diz o pai. "Nas escolas públicas não há esse hábito", critica. E as listas de manuais das escolas alteram-se com grande frequência. "Compram-se muito mais livros [no ensino oficial]. Mas a Mariana já tratou de ver que livros consegue arranjar para este ano."

Em roupa nunca gastaram muito. "O normal é eles terem coisas que são novas neles", graceja Paula. As roupas passam de irmão para irmão ou rodam entre filhos de casais amigos. "Tenho a preocupação de comprar coisas boas para depois poderem ficar para os mais novos."

Os mais velhos já não dependem totalmente dos pais. E isso já é um alívio. Zé Maria está a terminar o mestrado em Direito e Gestão na Universidade Católica, em Lisboa. Vive em casa de uma senhora da família, por isso não tem despesas com a renda. E para não sobrecarregar os pais decidiu contrair um empréstimo para pagar as propinas, ao todo 7730 euros, divididos em 15 mensalidades.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal é um dos países europeus em que os estudantes suportam a maior fatia dos custos com a educação, só sendo ultrapassados pelos estudantes ingleses.As listas de estudantes devedores penduradas nas paredes das instituições revelam que muitos não conseguem fazer face à despesa e desistem de estudar. Foi por isso que o Governo criou, através de protocolo com bancos, um programa de empréstimos para estudantes do ensino superior.

São os de Enfermagem e de Direito que mais recorreram a este crédito para pagar os cursos, mas são os de Medicina Dentária e Farmácia que pedem os montantes mais elevados. Entre finais de 2007 e Dezembro de 2009, a banca portuguesa emprestou mais de 128 milhões de euros a estudantes. Quando começarem a trabalhar, estes estudantes (apenas dois por cento do universo de alunos do ensino superior) terão de devolver o que pediram emprestado.Francisco também está na Universidade em Lisboa. Arquitectura, no ISCTE. Está hospedado em casa da madrinha, por isso só as propinas - 979 euros anuais - e os materiais entram para as despesas. Mas Arquitectura não é um curso barato quando chega a altura de comprar materiais. Francisco vai fazendo alguns "biscates" para arquitectos, conta o pai. E isso já é uma ajuda.

Pela primeira vez de há cinco anos para cá, a propina máxima do ensino superior cai - de 996,85 para 986,88 euros. Esta redução de dez euros resulta do facto de este valor estar indexado à taxa de inflação média do ano anterior, que em 2009 foi negativa (-0,8%). No entanto, este ano a maior parte das instituições, sobretudo as universidades, vão cobrar a propina máxima. O valor que pode ser cobrado situa-se entre um mínimo de 1,3 salários mínimos (617,50 euros) e o máximo (quase mil euros).

Maria do Carmo estuda Artes Plásticas em Belas-Artes, no Porto. Mais um curso dispendioso no que toca a materiais. De dia estuda, à noite trabalha num bar. Apesar de ter permanecido no Porto, preferiu deixar a casa dos pais. O que ganha é suficiente para as suas despesas. O pai paga-lhe as propinas, correspondentes ao valor máximo fixado e que podem ser divididas em quatro prestações.

Faltam os computadores. Muitos portáteis para muitos filhos. Os que frequentam o ensino superior têm cada um o seu. As irmãs mais novas dividem um.

A somar a todas estas despesas há ainda o ordenado da empregada interna, a trabalhar em casa dos Azeredos desde que nasceram os primeiros filhos.

Depois de tudo isto não sobrará muito, conforme contava Paula. Mas os filhos, dizem os pais, têm consciência das dificuldades. "Quando o João Maria foi viver para Alter do Chão para tirar um curso profissional de equitação, o Zé Maria decidiu abdicar de fazer Erasmus", recordam os pais.

Os estudantes podem recorrer ao programa Erasmus para fazer entre três meses a um ano numa universidade na Europa. Uma das promessas do programa deste Governo era duplicar, de seis mil para 12 mil, o número de bolsas para o programa Erasmus, até 2013. Mas o número de alunos que sai anualmente do país com este programa ainda não chega aos seis mil - 5378 estudantes em 2008-2009, últimos números contabilizados pela Agência Nacional para a Gestão do Programa Aprendizagem ao Longo da Vida, que gere os programas de mobilidade. A bolsa, no mínimo de 200 euros mensais, segundo a mesma entidade, nem sempre cobre todas as despesas e uma grande fatia da deslocação do aluno é paga pelas famílias.

Quando fez 18 anos, o Francisco lembrou-se do irmão que teve de abdicar da experiência de Erasmus e disse aos pais que poderia adiar a carta para Zé Maria poder fazer o intercâmbio.

As férias dos Azeredos têm de ser criativas e económicas, porque quaisquer férias em família são demasiado caras. Até pelas próprias deslocações. Nove pessoas só cabem numa carrinha de nove lugares - "uma pão de forma", como lhe chamam - e isso aumenta os custos das portagens. Os pais apostam nos campos de férias para os mais novos. "Por volta dos 12 anos começam a ir. Mais tarde, alguns até passaram a animadores ou a directores de campo", diz Paula, para quem este tipo de actividades também é fundamental para a educação dos filhos. "São 80 euros mais o bilhete de comboio."

Os pais recordam as alturas em que, em vez de comprarem presentes de aniversário para os amigos, sugeriam aos filhos que os criassem. "Uma vez a Carminho fez uma caminha com uma boneca em cartão para uma amiga tão engraçada que até tenho pena de não ter ficado com ela", diz Francisco. Sempre pouparam para investir na educação. Contavam com sete crianças? "Sempre quisemos ter muitos filhos", responde Paula prontamente. "Não sobra dinheiro, mas também não é preciso."

Família Inácio 4 filhos: Subsídio de férias para despesas escolares

Carolina tem 12 anos, é filha de Gabriel. Vera tem a mesma idade e é filha de Rute. Bruno, de oito anos, e André, de cinco, são filhos do casal. A família Inácio não tem uma vida fácil.

Apesar de ser muito jovem, Rute tem 32 anos, um cancro da mama tornou-a incapacitada para trabalhar — não está reformada mas não há empresa que lhe dê trabalho. Quem quer uma cozinheira que não pode mexer os braços?

Só Gabriel é que trabalha, é técnico de pneus e leva cerca de mil euros para casa. Por isso, mal termina um ano escolar, já a família está a preparar o ano seguinte. Este ano não é excepção. Em Junho, Rute já sabia que Carolina, a filha do marido, iria ficar com os manuais escolares de uma colega. O mesmo vai acontecer com a sua filha, que herdará os livros de uma prima. Também o filho mais novo vai ficar com os do mais velho. Estas trocas seriam perfeitas se algumas das crianças não tivessem mudado de escola, se os professores não adoptassem novos manuais. Por isso, a família aguarda que as listas dos livros cheguem e faz figas para que muitos dos manuais possam ser aproveitados de um ano para o outro.

A família sobrevivia da ajuda da Segurança Social. “Há dois meses foi-nos cortada com a justificação de falta de verbas. Eram 650 euros para despesas médicas e de alimentação.” Gabriel paga ainda a pensão de alimentos de Carolina, uma vez que a filha vive com a mãe. As despesas escolares também são da sua responsabilidade. “A assistente social [da segurança social] já nos aconselhou a ir a tribunal para pedir o cancelamento da pensão da Carolina, mas o pai tem o dever de ajudar a sustentar a filha”, defende Rute. Por isso, Carolina faz parte da conta de somar da família Inácio.

Por esta altura, já Rute foi à livraria do bairro encomendar o que falta e pagou metade da encomenda feita. O dinheiro para essa despesa já está posto de lado, é o subsídio de férias de Gabriel, que “ficou retido pelos patrões para usarmos só nesta altura”, justifica a mulher, para que a família não caia em tentações e não use aquele montante para pagar outras dívidas e despesas. Mensalmente, a mãe e os três filhos gastam uma média de 400 euros em farmácia, são todos asmáticos.

Depois, quando as aulas começarem, os recibos dos livros são entregues aos serviços de acção social (SASE) das escolas dos miúdos para pagarem uma parte da despesa. Houve um ano que Rute esperou por Setembro para que os SASE dessem os manuais às crianças, mas foi “uma má experiência”. “Os miúdos são postos de lado pelos professores porque não têm os livros e são-lhes marcadas faltas de material. É uma má maneira de começar o ano”, diz, recordando que houve livros que só chegaram um mês depois de as aulas começarem.

Assim, quando o dinheiro dos SASE chegar, a família compra o material escolar que, entretanto, os professores hão-de pedir. Para já, Rute ainda não sabe se fará parte do escalão A ou B da acção social escolar. Anualmente, o tema é discutido pelas escolas onde tem os filhos e a assistente social que acompanha a família, porque a lei prevê que os escalões do abono de família e da acção social escolar sejam coincidentes. Ora, o escalão do abono é o 2, o que significa que as crianças deveriam estar no escalão B, mas, dada a situação difícil que a família vive, a comunidade intervém em seu auxílio.

Mais de meio milhão de estudantes, um terço do total, recebe ajuda do Estado para livros, material escolar e refeições. Destes, 290 mil recebem o apoio máximo. E este é um número provisório porque em qualquer altura do ano os alunos podem pedir apoios à Acção Social Escolar. As contas da família Inácio não se esgotam com o regresso às aulas. Além da escola, há que pagar as actividades de tempos livres de Bruno e André, ou seja, depois da escola, os meninos ainda vão para o ATL. É verdade que Rute está desempregada e em casa, mas a qualquer momento pode ser chamada pelo hospital para ser internada e operada. “Se isso acontecer, o meu marido não pode vir para casa para tomar conta dos filhos. É o único ordenado que entra”, justifica Rute. “A Vera é muito pequena para estar com duas crianças em casa”, acrescenta, olhando para a filha que brinca, ao mesmo tempo que toma conta dos irmãos mais novos.

Assim, a família paga 56,50 euros para que André esteja das 15h às 19h no ATL e 20 euros por Bruno. Rute ainda vai insistir com a escola para que André consiga entrar já no 1.º ciclo. O menino só faz anos em Janeiro, mas a mãe gostava que entrasse mais cedo porque acredita que tem maturidade para o fazer — além de poupar um ano de despesas escolares, o ATL ficaria mais barato.

A educação dos filhos não se resume à escola e ao ATL. Rute gosta de organizar saídas em família e pesquisa tudo quanto sejam actividades gratuitas. Por exemplo, ao domingo de manhã, não se paga para entrar nos museus e, por isso, Rute prepara um piquenique, a família mete-se no comboio em direcção a Lisboa, visitam um ou dois museus e almoçam num jardim. “Quero que os meus filhos tenham as mesmas oportunidades que os outros”, anseia.

Como a actividade física é essencial para as suas saúdes, mas também para aprenderem a disciplina, o trabalho em equipa e o esforço que pode ser recompensado, Bruno joga futebol, uma actividade gratuita numa associação do bairro; e a mãe procura uma actividade para André fazer “a custo mínimo ou grátis”. Vera, por sua vez, poderá praticar natação na escola pública ou, quem sabe, dançar numa associação sem fins lucrativos. “Ela gostava mesmo era de fazer ginástica rítmica...”, diz a mãe. As crianças andam na catequese e os pais ainda pensaram inscrevê-los nos escuteiros, mas o fardamento e as actividades no campo são demasiado caras para esta família.

“Não há festas, não há férias, temos de poupar ao máximo. Roupas compramos numa loja solidária. A Vera não pede nada, mas está numa idade em que a roupa é muito importante...” Por vezes, a mãe desespera por não conseguir ajudar mais a família. O seu objectivo é regressar à escola, só tem o 6.º ano completo mas ainda frequentou o 7.º, e estudar o máximo para tentar um trabalho, por exemplo, como segurança numa empresa, num local onde não terá de mexer muito os braços.

Família Brito 3 filhos: “É bastante pesado ter três filhos na faculdade”

Já estava tudo preparado para que os filhos de Ulisses Brito, médico, e de Aida Maria Cardoso, professora de São Brás de Alportel, distrito de Faro, fossem todos para Lisboa quando chegasse a altura da universidade. Até já tinham comprado um apartamento na capital para os três: Pedro, 23 anos, Miguel, 21, e João Bernardo, 19.

Todos frequentam universidades públicas, mas só dois estão em Portugal. Miguel mudou-se para Nottingham, Inglaterra, para estudar Genética.

No Ministério da Ciência e do Ensino Superior não há dados sobre o número de portugueses que optam por fazer o ensino superior no estrangeiro (conforme o país, as propinas podem variar entre quatro mil a 33 mil euros anuais), porque as candidaturas são individuais e nada obriga os estudantes a prestar conta das suas opções. Pela mesma razão, o British Council em Lisboa também não tem números, mas há um indicador que tem subido todos os anos: os pedidos para fazer o teste de língua inglesa que é necessário juntar à candidatura à universidade. Tim Perry, director da secção de exames em Lisboa, diz que o número tem subido todos os anos e que em 2009 ultrapassou os mil. Inclui licenciaturas e mestrados, mas ressalva que pode ser para estudar noutros países e que há muitos alunos que optam por fazer o teste directamente no Reino Unido. A licenciatura de Miguel já está concluída. Em Outubro inicia o mestrado em Tecnologia de Células Estaminais, também na University of Nottingham. O irmão mais velho frequenta o 6.º ano de Medicina na Universidade Nova de Lisboa e o mais novo Engenharia Informática no ISCTE.

Quanto custa ter três filhos a frequentar ensino superior ao mesmo tempo? Aida Maria tem a resposta: “Do meu ordenado sobram 37,50 euros, depois de distribuir dinheiro por eles todos.” É Aida que está encarregue das mesadas dos três. A de Miguel já inclui o alojamento — 250 libras (pouco mais de 300 euros) por mês. No 1.º ano do curso vivia numa residência que custava 3125 libras (quase 3830 euros) por ano.

Segundo a mãe, era “uma das residências mais baratinhas”. Pedro e João Bernardo vivem no apartamento que os pais compraram em Lisboa e isso poupa algum dinheiro aos pais. Ulisses diz que ainda está a pagá-lo, mas que as prestações mensais são de apenas 260 euros — valor facilmente atingido por um quarto naquela cidade. Todos frequentam ginásios, também pagos com as mesadas.

Poderá qualquer família suportar os custos dos estudos de um filho noutro país? Aida Maria assegura que a diferença de despesas entre Portugal e Inglaterra não é tão significativa como se imagina: “Praticamente o que gastamos com cada um em Lisboa é o mesmo que gastamos com o Miguel em Nottingham. É evidente que fica ligeiramente mais caro, mas é uma diferença pouco significativa.” Ulisses aponta para mais 100 ou 150 euros mensais.

Miguel não tem a mesma percepção. “A minha mãe diz que com os gastos da empregada que trata da casa dos meus irmãos vai dar quase ao mesmo, mas, de qualquer das formas, eu acho que se estivesse em Portugal gastava menos do que estando em Nottingham”, diz. “O Miguel também é uma pessoa contida”, adverte Ulisses.

O Reino Unido é um dos destinos mais apetecidos pelos alunos que querem estudar fora de Portugal. A OK Estudante, que apoia os jovens portugueses no ingresso no ensino superior em Inglaterra, garante que estudar lá é perfeitamente possível. “Muitos estudantes têm trabalhos em part-time. O sistema de ensino britânico está preparado para isso”, sustenta André Rosendo, fundador do projecto. Segundo as estimativas que a OK Estudante fornece aos alunos, o alojamento varia entre 270 e 350 libras (cerca de 330 e 430 euros) mensais, a alimentação entre 100 e 200 libras (perto de 120 e 245 euros) por mês.

No que toca às propinas, os pais já admitem existir uma diferença substancial entre Portugal e o Reino Unido: Ulisses paga pelo curso de cada um dos filhos que estudam em Lisboa quase mil euros anuais (986,88 para Pedro e 979 para João Bernardo); as propinas da licenciatura de Miguel, conversões de moeda feitas, “chegam quase aos 3500 euros”. E a universidade é do Estado. Quando entrou no curso, aproveitou a possibilidade de contrair um empréstimo. Essa hipótese é oferecida pelo Estado e abrange todos os estudantes oriundos de países da União Europeia. Mas acabou por desistir logo no primeiro ano — até porque depois teria de pagar juros — e os pais tiveram de somar os 3500 euros às outras despesas. O mestrado que inicia este ano custará 5000 libras (cerca de 6100 euros), avança Miguel. Mas nem tudo é necessariamente mais caro para Miguel do que para os irmãos. É o caso das viagens. “Ir a Nottingham em companhias aéreas low-cost fica mais barato do que uma viagem a Lisboa”, assegura Aida Maria. E mesmo os filhos que estudam em Portugal não se deslocam ao Algarve com muita frequência. “Vêm nas férias e uma vez por período”, diz a mãe. “Têm de estudar. Não sobra muito tempo para andarem sempre a passear.”

Miguel também não é o filho que gasta mais dinheiro em livros para a faculdade. Medicina, o curso de Pedro, é o mais caro, garante Ulisses. “Gasto 300 ou 400 euros por ano com ele. Quinhentos no máximo. Se comprasse todos os livros, claro que ultrapassava isso, mas ele faz uma selecção dos mais importantes. Há muita coisa de que tiram fotocópias que pagam com a própria mesada”, diz. “E depois há outras coisas que é preciso comprar, mas o estetoscópio, por exemplo, foi um amigo meu que lhe ofereceu.” Todos os filhos tiveram direito a um computador portátil quando foram para a universidade. “Mas o do Pedro ainda é o mesmo desde essa altura.”

João Bernardo estuda Engenharia Informática, que não exige grandes despesas para além das propinas. Miguel tenta não gastar muito em livros. “No primeiro ano comprei os livros que pediam e gastei por volta de 100 libras (cerca de 120 euros), mas depois deixei de o fazer”, conta. “Comecei a usar os da biblioteca, porque as bibliotecas de lá têm sempre muitas cópias.”

“É bastante pesado ter três filhos na faculdade”, garante a mãe. “Efectivamente temos bons ordenados, mas também temos três filhos.”

Todas as despesas, à excepção dos donativos dados às escolas, podem ser deduzidas no IRS, descansam os pais. Todas? Não é bem assim. Em despesas de educação, as famílias podem deduzir 30 por cento do valor total até ao máximo de 701,37 euros. Isto se os gastos atingirem os 2337,89 euros, um valor a que é fácil chegar juntando as facturas dos livros, do material escolar e dos recibos de matrículas, propinas e mensalidades. Despesas de transportes, alojamento e alimentação em refeitórios escolares também podem ser deduzidas. Caso tenha três ou mais filhos, o limite a deduzir aumenta 131,51 euros por cada um.

Bárbara Wong e Cláudia Sobral, aqui