quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O BOMBO DA FESTA

1. Os inquéritos de opinião são unânimes: a maior preocupação dos portugueses é, hoje, o desemprego. O emprego passou a ser um bem precioso. Um emprego garantido, um sonho. Qualquer empregado com um salário acima do mínimo indispensável para viver estaria, nas actuais circunstâncias, disponível para abdicar de uma parte dele contra a garantia de que não seria despedido. Por uma e outra razão, aceitam salários cada vez mais baixos, como no Norte (dados divulgados pela CCDRN).

2. Para cumprir os objectivos com que nos comprometemos, evitando sarilhos perigosos, é preciso abater ao défice quatro mil e quinhentos milhões de euros. Podemos consegui-lo cortando na despesa, aumentando os impostos ou, como me parece inevitável, combinando os dois métodos. Depois de tantos anos a marcar passo, não acredito que se consiga fazer uma reforma das administrações públicas, com alguma coerência, de um ano para o outro. Não interessa, agora, saber de quem é a culpa. As contas acertam-se nas próximas eleições. A pressa é má conselheira, havendo o risco de se desestruturar o que funciona bem, sem qualquer correcção nos serviços perdulários. Não é, sequer, claro como se gerariam as poupanças, por exemplo, em termos de pessoal excedentário, dadas as decisões que têm sido proferidas pelos tribunais.

3. Os funcionários públicos têm um emprego garantido, a tal característica pela qual muitos estão dispostos a pagar, como o atesta o número de candidatos, a qualquer vaga na Função Pública, dispostos a abdicar de remunerações mais elevadas. A rubrica das despesas com pessoal representa 30% da despesa corrente. Por isso, na actual conjuntura, a solução menos má parece-me ser um corte nos vencimentos dos funcionários públicos. Se, em média, se abatesse 5% (menos para os vencimentos mais baixos, algo mais para os mais elevados), a despesa reduzir-se-ia cerca de mil milhões de euros. Como do lado dos impostos, o efeito de arraste, para o primeiro semestre do próximo ano, dos aumentos ocorridos neste segundo semestre, já garantem cerca de dois mil milhões, ficariam a faltar mil e quinhentos milhões. Aumentos de propinas no Ensino Superior, redução das deduções e aumentos de impostos para rendimentos mais elevados, cortes nas reformas mais altas, poupanças nas despesas de funcionamento e extinção de alguns organismos, parecem-me poder chegar ao valor em falta. Uma intensificação do combate à fraude e evasão talvez permitisse ir buscar alguma receita, mas os resultados não são seguros.

4. Para que os funcionários públicos não se transformem no bombo da festa, os cortes nos salários deveriam ter uma duração máxima de dois anos, prazo para se concluir a reforma da Administração Pública. Se, entretanto, houvesse ganhos noutros domínios, os mesmos poderiam ser repartidos entre a diminuição do défice e a reposição dos vencimentos. Não são ideias simpáticas. Mas não são fantasiosas. Grécia, Espanha e Irlanda já tomaram medidas bem mais gravosas. E os observadores internacionais perguntam-se: se eles o fizeram, por que não Portugal? Talvez nos devêssemos colocar a mesma pergunta.

Alberto Castro, aqui