quarta-feira, 29 de setembro de 2010

HORA DA VERDADE

1. O frenesim instalado sobre a pretensa indispensabilidade de o PSD aprovar o Orçamento de 2011 (OGE) não se deve apenas a motivos económicos - a sua razão de ser é eminentemente política. Nada se sabia acerca do seu conteúdo e já ressoavam as baterias comunicacionais que procuravam generalizar a convicção de que o OGE tinha de ser confirmado a qualquer custo. Nesse esforço de propaganda pura vozearam, em uníssono, os "spin doctors" que tão bem sustentam o Governo, escoltados pelos arautos do cavaquismo.

2. Já não restam dúvidas de que o PSD cometeu um erro estratégico grave quando acordou o PEC II com o Governo - grande parte dos equívocos orçamentais e, sobretudo, políticos com que o País agora se debate resultam desse acordo sofismado e antecipadamente condenado.

Venderam-nos a ficção de que o PEC II era o único remédio capaz de impedir o desastre, resguardar as finanças portuguesas e, por obra e graça não se sabe bem de quê, conceder a dose mínima de confiança internacional que sustentasse a improvável ideia de que estamos aptos para resolvermos sozinhos as dificuldades em que compulsivamente nos enfiamos.

Não resultou, claro. Pouco tempo depois, os mercados castigaram o "rating" da dívida portuguesa. O Governo apenas se preocupou em subir os impostos, esquecendo a diminuição da despesa. E continuou a porfiar no delírio dos grandes investimentos públicos, patenteando uma adição doentia em gastar dinheiro de que o País não dispõe.

Politicamente, Sócrates conseguiu mais um balão de oxigénio - aspecto essencial para quem confunde governação com jogadas de sobrevivência decididas mediante um tacticismo de irremediável curto prazo. Graças ao PEC II (e às eleições presidenciais), Sócrates adiou as legislativas até meados do ano que vem, pelo menos, independentemente do OGE ou de uma eventual síncope financeira ainda em 2010. Contudo, a grande falha governativa de Sócrates foi não ter adelgaçado substancialmente a despesa pública à boleia do PEC II, dividindo a consequente insatisfação social com o PSD - agora poderá ser tarde.

3. Com o OGE, o Governo deseja a repetição do episódio do PEC II. Através de uma aprovação expressa ou tácita (abstenção), Sócrates quer associar definitivamente o PSD aos efeitos da crise que a sua má governação preservou e dilatou. E tudo o que se tem passado nas últimas semanas pertence ao roteiro traçado para que tal suceda.

A escolha de Passos Coelho é difícil mas, todavia, clara: caso ceda às pressões e viabilize um OGE que se prevê nefasto e contrário àquilo que o PSD tem defendido, suportará uma oposição interna muito problemática, porventura fatal, após as presidenciais - a ala cavaquista que tanto o coage para aprovar o OGE não o poupará caso baqueie nesses conselhos. Acima de tudo, Passos Coelho levantará dúvidas sobre se é constituído pelo material de que os líderes são feitos.

A natureza de um líder também se vê nos momentos em que age de acordo com a sua intuição e consciência, muitas vezes contra a opinião dominante. Provavelmente, transigir seria a atitude de muitos que o antecederam - talvez por isso não passarão de uma nota de rodapé na história política portuguesa.

Carlos Abreu Amorim, aqui