segunda-feira, 28 de junho de 2010

TAPAR O SOL COM A PENEIRA

Não valeria a pena sequer tocar no assunto, se este tipo de intervenções não estivesse em vias de transformar a política concelhia numa graça de mau gosto; é só por isso que aqui refiro que na reunião da assembleia municipal da transacta sexta-feira houve intervenções de insignes representantes do pato-bravismo que tresandaram ao nauseabundo e pestilento cheiro a ódio pessoal, verdadeiros vómitos de quem, a coberto do poder, insiste de forma gratuita na bacoca tese da perseguição, confirmando com exuberância todas as críticas que podem fazer-se a quem não tem a noção mínima do que é ocupar cargos públicos.
Capazes dos mais inesperados amuos e das mais improváveis ofensas, e autoconvencidos de uma indelével importância na história do poder local concelhio, mais não são do que produtos reciclados, formalmente desajustados, onde uma grande vaidade, que não disfarça ilusórias hierarquias, não permite perceber por que é que os seus nomes não apareceram na bíblia como não hão-de constar da história do concelho; e os munícipes, mais tarde ou mais cedo, vão acabar por perceber isto.

A propósito deste estilo de actuação política, recordam-se aqui declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, quando classificou o primeiro-ministro como “chico esperto” por ter feito «um curso mais facilmente que o comum dos mortais e na casa comprou a mesma casa que os outros compraram mais cara, mais barata»; o antigo dirigente social-democrata referiu na ocasião que essa característica não inibia que José Sócrates não voltasse a ser eleito: “Não corresponde ao perfil clássico de primeiro-ministro e que eu considero ideal. A questão é saber se os portugueses gostam ou não do perfil do homem que é chico esperto para primeiro-ministro. Nas autárquicas têm gostado disto.”
Felizmente há quem, como Jorge de Sena, já em 1979 tenha escrito A PORTUGAL (in "Quarenta Anos de Servidão"), sobre a catarse em que se encontra o «povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas», a que Guerra Junqueiro já em 1896 se havia referido em “Pátria”

A PORTUGAL
Esta é a ditosa pátria minha amada.
Não, nem é ditosa porque o não merece,
nem minha amada, porque é só madrasta
nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de ter nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
Quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela
Saudosamente nela,
Mas amigos são por serem meus amigos
e mais nada.
Torpe dejecto de romano império,
Babugem de invasões,
Salsujem porca de esgoto atlântico,
Irrisória face de lama, de cobiça e de vileza,
De mesquinhez, de fátua ignorância.
Terra de escravos, de cú para o ar,
Ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto.
Terra de funcionários e de prostitutas,
Devotos todos do Milagre,
Castos nas horas vagas, de doença oculta.
Terra de heróis a peso de ouro e sangue,
E santos com balcão de secos e molhados,
No fundo da virtude.
Terra triste à luz do Sol caiada,
Arrebicada, pulha,
Cheia de afáveis para os estrangeiros,
Que deixam moedas e transportam pulgas
(Oh!, pulgas lusitanas!) pela Europa.
Terra de monumentos
em que o povo assina a merda
o seu anonimato.
Terra-museu em que se vive ainda
com porcos pela rua em casas celtiberas.
Terra de poetas tão sentimentais
Que o cheiro de um sovaco os põe em transe.
Terra de pedras esburgadas,
Secas como esses sentimentos
De oito séculos de roubos e patrões,
Barões ou condes.
Oh! Terra de ninguém, ninguém, ninguém!
Eu te pertenço.
És cabra! És badalhoca!
És mais que cachorra pelo cio!
És peste e fome, e guerra e dor de coração!
Eu te pertenço!
Mas seres minha, não!

Jorge de Sena