A péssima execução orçamental de Outubro mostra que, por este caminho, não vamos lá.
Note-se que, só num mês, o Estado teve um prejuízo de 2,3 mil milhões de euros, ou seja, quase o montante do empréstimo relativo à 6.ª avaliação do Memorando (2,5 mil milhões).
Chegámos a um ponto em que o aumento de impostos não compensa, pois a actividade económica cai e, portanto, a massa colectável e a receita diminuem.
A oposição embandeirou em arco com estes resultados, dizendo que eles constituem a prova de que «esta política está errada».
Estamos, aparentemente, num beco sem saída: os impostos não podem subir porque a sua subida pouco faz crescer a receita – mas, simultaneamente, não chegam para cobrir as despesas do Estado.
Como resolver esta equação?
A oposição fala na necessidade de «mudar de política».
Diz que a austeridade é excessiva e tem de ser complementada com o crescimento económico.
Mas onde está o dinheiro para isso?
Além de que não basta estalar os dedos para a economia voltar a crescer.
Sócrates andou seis anos a encomendar obras públicas e equipamentos – e o resultado qual foi? A dívida cresceu a pique e a economia não cresceu nada.
O caminho não é, portanto, esse.
A mudança que é preciso fazer é outra: se não é viável aumentar a receita, é preciso cortar drasticamente a despesa do Estado.
E, para isso, é preciso reformar o Estado, pensá-lo de outra maneira.
Só assim será possível pôr as contas em ordem e ter mais dinheiro na economia.
O modelo do Estado actualmente existente nos países europeus instituiu-se num período em que a economia europeia estava a crescer, em que havia dinheiro, em que se vivia um ambiente de euforia criado pelo fim da II Guerra Mundial e pela derrota dos nazis.
A cavalo do crescimento, a população da Europa, de uma forma geral, foi conquistando sucessivas regalias (que noutros lugares do mundo eram absolutamente imagináveis):
– Ordenado mínimo;
– Máximo de 8 horas de trabalho por dia;
– Um mês de férias pago a dobrar;
– Subsídio de Natal para compras igual a um mês de salário;
– Despedimento só com justa causa e com indemnização;
– Subsídio de desemprego;
– Rendimento mínimo garantido para os que não trabalham;
– Subsídio de doença;
– Três ou quatro meses de baixa de parto;
– Reforma aos 65 anos paga por inteiro;
– Saúde gratuita;
– Educação gratuita, etc.
Ora, quando o crescimento económico começou a abrandar, por via da transferência da actividade económica para outras paragens, este modelo entrou em falência.
A sociedade deixou de poder suportar estas regalias.
Até porque o bem-estar fizera aumentar a esperança de vida e diminuir a natalidade, havendo cada vez menos pessoas a pagar para cada vez mais a receber.
Tudo isto nos atirou para uma situação explosiva
Nos últimos dez anos, Portugal não cresceu economicamente e as despesas sociais subiram mais de 80%.
Urge, pois, fazer qualquer coisa.
As despesas do Estado terão mesmo de diminuir – e, para isso, as funções do Estado terão de mudar.
E a lógica tem de ser esta: o Estado Social deve ser uma espécie de ‘rede de trapézio’.
Deve servir para os que caem do trapézio – e não para os que se aguentam lá em cima.
Isto é, deve apoiar quem precisa, não pode gastar recursos a apoiar quem não precisa.
Ninguém deve deixar de estudar por limitações económicas.
Ninguém deve deixar de ser tratado na doença por limitações económicas.
Mas aqueles que podem pagar a saúde e a educação devem pagar nos serviços do Estado o que ela custa realmente – e não terem esses serviços quase de graça, sobrecarregando o erário público.
Se caminharmos nesse sentido, todos ganharão.
Os cidadãos pagarão menos impostos e haverá mais dinheiro para o consumo e para as empresas.
Se o Estado não absorver tantas receitas fiscais (pensemos, por exemplo, no IVA da restauração ou no IRC das empresas), a economia respirará de outra maneira.
A redução drástica das despesas do Estado interessa a todos – e todos os partidos, incluindo o PS, só terão vantagens em colaborar a fundo nela.
Porquê?
Porque um dia mais tarde, quando o PS for para o Governo, a reforma estará feita -- e o sistema será sustentável.
Pelo contrário, se o PS não colaborar e a reforma não se fizer, terá de ser ele amanhã a debater-se com esse problema.
E será muito pior.
Porque, ou faz aquilo que antes rejeitou, ou será vítima da mesma insustentabilidade orçamental que estamos a viver hoje.
P.S. – Há duas semanas publiquei nesta coluna um artigo com o título Nós, os jornalistas, onde macaqueava os jornalistas que tomam partido, transgridem as regras e se empenham no ataque ao poder, como se isso fosse um ‘serviço público’.
Ora, alguns leitores tomaram o artigo à letra e criticaram-me pelas ‘posições’ que ali assumia. A esses leitores peço desculpa por não ter conseguido transmitir a ideia de que se tratava de uma sátira.
José António Saraiva, aqui