terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ALTERAÇÃO DOS ESTATUTOS DA FUNDAÇÃO COMENDADOR ALMEIDA ROQUE: AS RAZÕES DO VOTO CONTRA

Na última reunião da câmara municipal de Oliveira do Bairro, realizada no dia 29 de Novembro, foi sujeita à apreciação e votação, uma proposta do presidente da câmara de alteração dos estatutos da Fundação Comendador Almeida Roque (FCAR), a qual mereceu a minha oposição.


Entre outras disposições, a dita proposta mantem a consagração do município de Oliveira do Bairro como instituidor da FCAR (art. 1º), e bem assim afecta irrevogavelmente à prossecução do fim social de FCAR um fundo municipal global 1 milhão de euros (art. 7º) sendo que parte deste, no valor de 350.000,00€ a realizar em 2014 (ou seja, condicionando o primeiro plano de acção e orçamento que virá a ser executado pelo executivo municipal que vier a ser eleito nas eleições do próximo ano de 2013), para além de determinar que o vice presidente do conselho de administração (art. 10º) e do conselho de curadores (art. 16º) da FCAR é sempre a pessoa que ocupar o cargo de presidente da câmara municipal de Oliveira do Bairro, a quem ficam atribuídos poderes para designar o vice-presidente do conselho executivo (art. 11º) e bem assim para nomear cinco conselheiros do conselho de curadores (art. 16º).

Pela pertinência e interesse público da questão, e pelo interesse na divulgação das razões que determinaram a minha rejeição à dita proposta, apresento de seguida a declaração de voto que na oportunidade apresentei:

DECLARAÇÃO DE VOTO
Ao abraçar o projecto de criação da Fundação Comendador Almeida Roque (FCAR), o instituidor Comendador Almeida Roque, idealizou, estudou e concebeu que o agora Instituto Industrial da Bairrada (então Escola Profissional da Bairrada) seria um estabelecimento de ensino sob a alçada do Ministério da Educação; foi até o representante governamental deste e não de outro Ministério, que esteve presente no acto da cermónia de outorga do acto notarial constitutivo da FCAR.

No entanto, o que é certo é que a FCAR veio a ser reconhecida e registada pelo Ministério da Educação, não como um estabelecimento de ensino mas sim como uma IPSS, sendo igualmente certo que as IPSS’s não estão sob a alçada do Ministério da Educação, mas sim do Ministério da Segurança Social.

E por isso, acaba por ‘ser estranho’ que o processo de reconhecimento e registo da FCAR se tenha desenvolvido na alçada do Ministério da Educação, quando o que seria normal é que esse registo se tivesse desenvolvido de acordo com o previsto no Regulamento do Registo das IPSS do Âmbito da Acção Social da Segurança Social, aprovado pela Portaria nº 139/2007, de 29 de Janeiro.

Tenho para mim que o percurso sui generis do processo desse registo e reconhecimento tenha sido uma forma célere de aplacar o lamento público manifestado pelo Senhor Comendador Almeida Roque, em relação à postura do Governo da República, aquando da sua intervenção no programa televisivo realizado por ocasião da passagem da Volta a Portugal em Bicicleta pelo concelho de Oliveira do Bairro, em Agosto de 2010.

Fosse como fosse, o que é certo é que enquanto IPSS, o regime jurídico ao qual ficou subordinada a FCAR é o do Estatuto das IPSS em geral [consagrado no Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 386/83, de 15 de Outubro, 9/85, de 9 de Janeiro, 89/85, de 1 de Abril, 402/85, de 11 de Outubro, e 29/86, de 19 de Fevereiro].

No entanto, o que é certo é que, tendo em conta a vontade e disponibilidade desde semprebmanifestada pelo município de Oliveira do Bairro para apoiar este projecto, nos estatutos originais da FCAT ficou atribuída a este município a condição de instituidor (artigo 1º), tendo a vice-presidência  do respectivo conselho de administração ficado atribuída ao presidente da câmara [artigo 10º, nº 2, al. a)]; uma consagração que, repete-se, terá ficado vertida nos estatutos originais da FCAR porque o agora Instituto Industrial da Bairrada (então Escola Profissional da Bairrada) tinha sido idealizado, estudado e concebido como um estabelecimento de ensino sob a alçada do Ministério da Educação e não como uma IPSS.

No entanto, estas são disposições estatutárias que, a meu ver, não estão conformes à lei, quer quanto à letra quer quanto ao espírito, uma vez que configura clara ingerência do poder político na gestão e administração da FCAR, a qual é impedida pelo nº 1 do art. 1º do Estatuto das IPSS em geral, o qual consagra expressamente que as IPSS não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico. Apesar disso, o que é certo é que a FCAR está reconhecida e registada pelo Ministério da Educação, não obstante estas desconformidades estatutárias relativas à lei aplicável.

Acontece porém que, à data do reconhecimento e registo da FCAR (Outubro de 2010), não se encontrava ainda vigente a Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, que alterou o art. 188º do Código Civil, e qual consagra agora de forma expressa no seu nº 1, al. c) que o reconhecimento pode ser negado se os estatutos das fundações apresentarem alguma desconformidade com a lei. Ora, na presente data está já em vigor a Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, a qual consagra expressamente no seu art. 39º que as fundações de solidariedade social são fundações privadas constituídas como instituições particulares de solidariedade social, às quais se aplica o Estatuto geral das IPSS.

Assim sendo, e decorrendo do art. 6º, nº 4 desta Lei-Quadro das Fundações que no prazo máximo de seis meses após a entrada em vigor desta lei, as fundações privadas que possuam estatuto de utilidade pública, sob pena de caducidade do seu estatuto, (…) ficam obrigadas a adequar a sua denominação, os seus estatutos e a respetiva orgânica ao disposto na Lei Quadro das Fundações, importa proceder a essa adequação relativamente à FCAR, adequação esta que, no entanto não terá aplicabilidade na parte em que for contrária à vontade do fundador, caso em que esta prevalece, tal como consagra o art. 6º, nº 1 desta Lei-Quadro das Fundações.

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À luz do art. 3º, nº 3, al. a) da Lei-Quadro das Fundações, apenas são considerados instituidores os que atribuem meios patrimoniais à futura pessoa colectiva fundacional. Neste contexto, importa saber se o município de Oliveira do Bairro atribuiu ou não algum meio patrimonial à futura FCAR ou seja, se à data da sua constituição, a FCAR dispunha ou não de algum meio patrimonial atribuído pelo município.

Ora, tal como se infere do art. 7º, nº 2 dos actuais estatutos da FCAR, à data da outorga destes estatutos, o município não havia realizado qualquer participação concreta e efectiva para o património da FCAR. O que daqui resulta é que, face à inexistência dessa atribuição de meios patrimoniais, à data da outorga dos respecivos estatutos, a FCAR dispunha apenas de meios patrimoniais previamente atribuídos pelo Senhor Comendador Almeida Roque; por esta razão, e luz do art. 3º, nº 3, al. a) da Lei-Quadro das Fundações, apenas o Senhor Comendador Almeida Roque pode ser considerado como instituidor único da FCAR, por ter disposto de meios patrimoniais previamente à constituição desta, não podendo o município considerar-se como tal.

Aliás, essa ausência de atribuição de meios à FCAR por parte do município aconteceu quer no momento da outorga dos estatutos, quer no momento do reconhecimento e registo da FCAR, quer até na presente data, uma vez que, nos termos dos estatutos em vigor. o actual património da FCAR é exclusivamente constituído pelas realizações concretas do Senhor Comendador Almeida Roque.

Neste contexto, não é forçoso concluir que os fundos de 150.000,00€ e 850.000,00€ previstos na proposta de alteração de estatutos, como sendo fundos do município, não possam ser considerados como ‘meios patrimoniais à futura pessoa colectiva fundacional’ mas apenas como apoios financeiros a fundação juridicamente já existente, tal como estão previstos no art. 3º, nº 3, al. c) da Lei-Quadro das Fundações.

Para além disso, face à aplicabilidade do art. 15º, nº 2 da Lei-Quadro das Fundações, o município de Oliveira do Bairro, enquanto órgão do poder local, não pode figurar como instituidor da FCAR, uma vez que nos termos deste preceito as  fundações de solidariedade social são criadas, exclusivamente, por iniciativa de particulares nos termos do Estatuto geral das IPSS; e também, porque o critério da irrevogabilidade da afectação do património consagrado no art. 3º, nº 1 da Lei Quadro das Fundações, não é aplicável aos municípios, face ao princípio da revogabilidade dos actos válidos plasmado no art. 140º do Código de Procedimento Administrativo. Por esta razão, ou seja não podendo o município ser considerado como instituidor da FCAR, não pode a sua vontade ter qualquer prevalência para os efeitos previstos no art. 6º, nº 1 da da Lei-Quadro das Fundações.  

Uma prevalência que no entanto, até pode resultar da vontade do Senhor Comendador Almeida Roque, facto este que, face à documentação disponibilizada, se ignora e desconhece. De igual modo, tendo em conta a aplicabilidade do art. 39º da Lei-Quadro das Fundações, aprovada pela Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, o município de Oliveira do Bairro, enquanto órgão do poder local, também não pode integrar o Conselho de Administração da FCAR.

Pelo que se deixa exposto, não podendo a vontade do município ter qualquer prevalência para os efeitos previstos no art. 6º, nº 1 da da Lei Quadro das Fundações, quer a manutenção do município como instituidor da FCAR, quer a manutenção de um representante do município no órgão executivo da FCAR ficam, à face da lei aplicável, dependentes da prevalência da vontade do Senhor Comendador Almeida Roque.

Nesta circunstância, e para a eventualidade de o Senhor Comendador Almeida Roque não pretender que a sua vontade prevaleça nesse sentido, terão de ser expurgadas da redacção da proposta de estatutos, quer a consagração do município de Oliveira do Bairro como instituidor da FCAR, quer ainda as referências das quais resulta ingerência do município na gestão e administração da FCAR, designadamente as que constam dos arts. 1º, 7º, nº 2; 10º, nº 4; 11º, nº 2; 16º, nº 1, als. b) e d).

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O art. 17º, nº 1 dos actuais estatutos da FCAR, consagra que «compete ao conselho de administração deliberar sobre a modificação dos estatutos (…); ou seja, a alteração dos estatutos da FCAR não é uma competência própria do Senhor Comendador Almeida Roque, mas sim do conselho de administração da própria FCAR.

Assim sendo, o que está em causa é subscrição de uma proposta de alteração dos actuais estatutos da FCAR, legitimando a intervenção do senhor presidente da câmara, enquanto membro do actual conselho de administração, para nesta qualidade deliberar sobre a referida alteração estatutária da FCAR.

A este propósito importará perceber que a presença do presidente da câmara de Oliveira do Bairro no seio do Conselho de Administração da FCAR (como aliás de qualquer outra colectividade) é, pela sua própria natureza, uma fonte potencialmente geradora de conflitos, expondo a FCAR (e neste caso mais do que qualquer outra associação), às incidências da gestão política do concelho e dos seus intervenientes.

Aliás, não se entende muito bem como será gerida a FCAR e de que forma será legitimada a intervenção do presidente da câmara no que concerne à tomada de decisões que, enquanto representante de um órgão colegial de interesse público (a câmara municipal), estará sempre numa condição de inferioridade e subordinação, uma vez que no seio do Conselho de Administração da FCAR o presidente da câmara (como qualquer outro representante do município) estará irremediavelmente sujeito às decisões de uma maioria que representa os interesses de uma instituição de carácter privado.

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O tecido associativo concelhio é, indiscutivelmente, uma realidade incontornável e fulcral na dinamização da comunidade local; seja no plano desportivo, cultural, ou recreativo, mas de uma forma específica no plano da solidariedade social, as instituições não só são parceiras cruciais da intervenção dos organismos públicos, incluindo o município, como vão muito mais além, dando respostas a muitas das necessidades com que as populações se confrontam nesses diferentes sectores, afirmando-se como uma mais-valia significativa no desenvolvimento local.

A importância e relevância social do apoio a estes fenómenos não pode ser negativizada por leituras menos claras da política de apoio e da atribuição dos apoios autárquicos, importando por isso criar mecanismos que tornem evidentes a justeza desses apoios, tendo em vista a racionalização dos recursos disponíveis, a clarificação pública das normas que regulamentam o seu acesso, e a impressão de rigor, transparência e empenho da autarquia na realização dos diferentes projectos associativos; só desta forma será dado relevo à dinâmica de interesse municipal, emergente de actividade associativa, à estimulação de parcerias, à motivação para a formação dos associados e dirigentes, e à valorização do auto-financiamento e da diversidade das fontes financiadoras.

Neste conspecto, estando a FCAR já reconhecida e registada como uma IPSS, e estando o município de Oliveira do Bairro consagrado como instituidor da FCAR, e ficando atribuídas ao presidente da câmara as competências constantes dos artigos 7º, nº 2; 10º, nº 4; 11º, nº 2; 16º, nº 1, als. b) e d) da proposta de estatutos, resulta claro que o município fica colocado numa posição de claro favorecimento da FCAR em detrimento das restantes IPSS do concelho, cuja actividade não pode deixar de ser apoiada em obediência a um critério que pugne pela justiça, pela equidade e pela transparência desses apoios.

Por esta razão, o entusiasmo e empenho com que em 2009 foi abraçado o projecto da FCAR não ficam em nada prejudicados com a posição antes referenciada, uma vez que tal entusiasmo e empenho se manterão com o apoio que devendo continuar a ser dado, mas deve ultrapassar aquele que está institucionalizado no critério de igualdade que tem vindo a ser dado a todas as IPSS do concelho. Paradigma desta conclusão, é a eliminação do nº 2 do artigo 8º dos actuais estatutos, dada a inequívoca consolidação do apoio do município ao projecto da FCAR.

Assim sendo, e porque entendo que a proposta em análise não está adequada ao normativo da Lei-Quadro das Fundações aprovada pela Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, nunca poderia votar favoravelmente a referida proposta; no entanto, e tendo em conta que o teor da proposta apresentada coloca as restantes IPSS do concelho em claro desfavorecimento em relação à FCAR,  no que concerne ao apoio do município, apoio este que não pode deixar de obedecer à justiça, à equidade e à transparência, voto contra a proposta de alteração dos estatutos da Fundação Comendador Almeida Roque hoje submetida à apreciação e discussão.

O conteúdo desta declaração de voto será dado a conhecer ao Conselho de Administração da FCAR.

Apresentada em Reunião do Orgão Executivo, em 29 de Novembro de 2012.

O Vereador:
(Jorge Mendonça)