segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A VIDA FÁCIL


O tempo sombrio que atravessamos fez surgir um discurso de extremos e de justificação da violência. Como se alguém tivesse de pagar pelo desespero.

Na semana passada falei aqui sobre o maravilhoso mundo da internet, onde as pessoas escrevem à vontade. Defendia, e defendo, que é assim que tem de ser, com as consequências previstas pela lei em casos concretos. Mas fiquei a pensar como é doce aquilo que muitos temem. A vida online é um passeio no parque. Ler blogues, partilhar no Facebook ou no Twitter, instagramar imagens, saltitar no YouTube, googlar perdidamente, etc., é como estar de férias.

Mesmo lidar com as alarvidades publicadas na internet é fácil: basta não ler. Ignorar está à distância de um clique. O mesmo se passa aliás com o que é publicado nos jornais ou transmitido na televisão. Basta virar a página ou mudar de canal. Não há mundos diferentes, e as pessoas são as mesmas, mas a nossa maneira de lidar com a parte menos boa dos outros está facilitada no caso concreto da internet. O pior acontece quando temos alguém a defender ideias violentas, paranóicas ou estúpidas à nossa frente. 

Não há onde clicar, nem página para virar, e, apesar de na minha imaginação haver um comando invisível que me permite mudar para o canal Fox, não há zapping que nos salve. Difícil é lidar com as pessoas. Complicado é ser estóico ao pé de Nero. Passear na internet é só parecido com ser estóico num mosteiro. Que testes, que exigências há numa vida monástica? O problema surge quando lá entra um ladrão fugido à polícia, a procurar refúgio entre os monges. O que fazer? Entregá-lo? Escondê-lo? Obrigá-lo a abrir uma conta no Facebook?

Lembremos o seguinte caso. Há dias a polícia carregou sobre manifestantes que, num momento de grosseira estupidez, desenterraram pedras da calçada para atirar a quem guardava o parlamento. Ninguém morreu por acaso, e as autoridades têm, neste ponto, a responsabilidade de ter demorado a actuar. Houve logo quem escrevesse artigos e posts a compreender a atitude criminosa dos atiradores de pedras. São sempre os mesmos que o fazem. Nunca se vêem como vítimas, é curioso. Felizmente, o mundo tem a sensatez de não lhes ligar.

Mas o que fazer quando a radicalização do discurso sobre a violência chega a amigos e a familiares? O que fazer quando ouvimos a pessoas que sempre nos pareceram moderadas frases disparatadas, catastrofistas, apelos à violência e à compreensão pelo que ainda há pouco condenavam com veemência? É um teste. E como reagir quando a José Alberto Carvalho ouvimos a pergunta feita há dias ao primeiro-ministro: “Vamos chegar [ao fim do programa de ajustamento] todos mortos?” Passos Coelho respondeu naturalmente que não, mas, pensando bem, não é pergunta que se faça. Que resposta esperava?

O tempo sombrio que atravessamos fez surgir um discurso de extremos e de justificação da violência. Como se alguém tivesse de pagar pelo desespero. A conversa já não é sobre o pesadelo que se tornou a vida em Portugal, sem esperança de melhoria. Uma coisa é as pessoas estarem cansadas de sofrer por um objectivo que não se compreende nem se vê estar a meio de se solucionar. Outra, bem diferente, é acreditar que a dor e a tristeza justificam todos os fins.

Carla Hilária Quevedo, aqui