terça-feira, 25 de setembro de 2012

CIGARRAS E FORMIGAS


Os gauleses resistentes aos romanos na brilhante ficção do herói Asterix que Goscinny e Uderzo criaram, apenas tinham medo que o céu lhes caísse em cima

Os seus descendentes reais do século XXI, celtiberos cometidos a um pequeno canto da ibéria, já só receiam que os impostos lhes caiam sobre a cabeça. Ao contrário do que conta a história da banda desenhada, a organização romana acabou por vencer, por mais que uns quantos irredutíveis combatessem sem fim. 

Os gauleses (não os da banda desenhada) perceberam que não havia poções mágicas. Nós, ainda não percebemos que não há almoços de borla, ou seja empréstimos sem juros.

Vivemos afogados em dívidas que nos foram impostas por ocupantes ávidos de venderem os seus produtos aos novos-ricos que emergiam na comunidade europeia. A história do pequeno retângulo mais ocidental da europa tem tido longos de miséria pontilhados por curtos períodos de crescimento que sempre acabaram em regimes mais autoritários. Talvez daí a nossa capacidade de termos inventado os brandos costumes para suportar tamanhas privações.

Hoje já não nos vencem pelas armas. Derrotam-nos pela vontade intrínseca de termos mais do que o pudemos sustentar. Venderam-nos a ideia de que poderíamos ser ricos sem trabalhar e passaram aos políticos o conceito que que era possível fazer política sem ideologia. Dois pecados mortais que para além de nos dizimar vão acabar por contaminar todo o velho continente. 

A tecnocracia das contas acabou por vencer a seriedade do trabalho e já está a aplicar as mesmas receitas que um célebre governante utilizou depois duma bebedeira política que fez desmoronar a 1º República. Mas as diferenças são grandes. Primeiro na novíssima moda da modelação das palavras e principalmente depois na incapacidade dos governantes de hoje serem incapazes de se autoflagelarem juntamente com o seu povo.

Ficam imunes aos sacrifícios, incapazes de reduzir na sua obscena gordura e comentam com gozo a fábula da cigarra e da formiga. 

Apetece-me dizer como Zeca Afonso cantando para as formigas: mudem de rumo, mudem de rumo, já lá vem outro carreiro.

António Granjeia, no 'Jornal da Bairrada' de 27 de Setembro de 2012