Ela não gostava do agora.
O agora era quase sempre uma coisa terrível. Ou penteado demais que a inquietava ou de um despenteado irrequieto que quase a assustava. De vez em quando apetecia-lhe gritar. Alto. Muito alto.
Outras vezes só queria que o mundo ficasse calado. Sossegado.
Quieto, nem que fosse por instantes.
O agora parecia-lhe uma coisa terrível principalmente porque ela nunca tinha tido aulas de costura e porque não sabia o que fazer a tão pouco nem a tanto pano.
Já não sabia a quantas andava porque passava os dias a andar. A fazer coisas, a planear coisas, a resolver coisas, a acabar coisas, a ouvir e a dizer coisas, a começar coisas.
Apetecia-lhe que as coisas desaparecessem todas. Nem que fosse por instantes, que durassem apenas o tempo suficiente para poder respirar.
Estava capaz de gritar. Tentava de vez em quando imaginar que o estava a fazer. Gritos calados de socorro. De tirem-me daqui. De ponham-me ali quieta num canto, nem que seja só por instantes.
Porque é que ninguém lhe dava lições de costura?
Tinha noites de sono irrequieto e manhãs de café com açucar cansado.
Tinha pessoas a dizer coisas à volta dela, dentro dela, em todos os sítios onde não conseguia deixar de estar.
Não sabia porque é que de vez em quando o mundo não a deixava tranquila. Precisava de sossego e não sabia onde raio tinha posto a receita do pouco barulho ou do pára tudo.
Apetecia-lhe dizer palavras feias, gordas e más. Apetecia-lhe deixar de ouvir essas palavras serem ditas por todo o lado.
E nas manhãs de nevoeiro e céus pintados de estranhos tons de azul, nessas alturas só queria que alguém a quissesse ouvir.
Acordava com vontades de abrir os olhos e não as janelas. De dizer qualquer coisa e não uma coisa qualquer. Queria giz e réguas de madeira. Estava cansada de alinhavos.
E queria um mundo inteiro só para ela. Nem precisava de ser redondo. Um mundo quieto. Sem manhãs nem tardes e onde nunca caíssem noites escuras.
Queria um mundo feito do tempo que ela tivesse. Pintado da cor que fosse capaz de rimar melhor com o azul que o céu resolvesse vestir.
Onde que andavam os livros de costura?! Queria ser capaz de costurar um mundo sem dias que passam devagarinho nem anos que desaparecem cheios de pressa. Um mundo de gomos, com gnomos e segundos fáceis de contar. Um mundo com pano de histórias e linhas de sorrisos.
Ela queria um mundo sem aquis e agoras como este. Sem coisas para fazer e para ter que dizer. Um mundo quieto, feito apenas de sons de dentro. E de trapos quentes de mimo.
Ela queria sair nesta página e apanhar boleia de outra história qualquer. Nem que fosse a dela contada de outra maneira.
Apetecia-lhe gritar, fazer baínhas à vida e dizer-lhe baixinho:
- Vens comigo?!
Cristina Gameiro, aqui