Há uns anos atrás, num dia mais ou menos como o de hoje em que sol
espreita mas não brilha, resolvi fazer-me à estrada.
Fui engolir
sapos que falavam outras línguas, arregaçar as mangas, alargar a minha
zona de conforto e, sem ter a certeza disso na altura, crescer por
dentro.
Foi no tempo em que ainda havia fronteiras na Europa que
quisemos entretanto que fosse uma grande aldeia. Foi no tempo em que
ainda não havia equivalências de coisa nenhuma e muito poucos tratados
de tudo e mais alguma coisa. Fui-me embora espreitar outras maneiras de
ser e de estar sem que nenhum governo ou ministro me desse essa
sugestão. Fui porque estava à rasca para me safar aqui e queria ver se
me desenrascava noutro lado. Fui com os medos todos e com certezas
nenhumas mas fui com vontade de voltar mais tarde e contar o que tinha
visto por lá.
Regressei há quase um ano, numa altura que dizem ser
a pior de todas para alguém regressar de uma viagem que custa tanto a
fazer.
Os motivos do regresso foram muitos ou quase nenhuns, o
que muito fácil de acontecer e muito dificil de explicar, merecem outro
texto só para eles e só para leitura minha.
Ando a adiar fazer uma
análise pessoal do estado da nação, tenho esse direito/dever, como toda
a gente que aqui vive. Todos devíamos ser capazes de perder tempo com
isso. Parar para pensar no que temos e no que vivemos. No porquê disto
tudo e no que podia ser feito de outra maneira.
Estou cansada de
ligar a televisão ou de folhear os jornais e ver campanhas de
publicidade a empresas de fogo preso. Os discursos são pirómanos e isso
é grave em qualquer altura mas principalmente depois de um inverno tão
seco.
Toda a gente se queixa e já não é só da ciática ou do preço
da gasolina. É de tudo e mais alguma coisa a todo o instante. Porque
estamos sem subsídios, porque aumentam a electricidade, porque assim não
dá, porque eles roubam e mentem e esfolam-nos porque cortam e mentem e
dizem que sim e que não e que talvez para o ano ou quando calhar.
Diz-se
por aí que a Europa não presta, que o euro não é boa ideia, que os
chineses estão em todo o lado, que é tudo farinha do mesmo saco. Ouve-se
a cada esquina que assim não vamos a lado nenhum, que está tudo pela
hora da morte, que só se ouvem passos e que os Gaspares são fantasminhas
maus que nos atormentam os dias e as noites.
Há quem se balance
para a esquerda e para a direita à espera de uma vírgula mal colocada ou
de uma pausa no discurso de uns ou de outros para lhe dar um impacto
desmesurado. Anda tudo à cata de palavras fora do sítio, de telhas de
vidro ou de brechas no discurso. A poluição sonora dos últimos meses
enerva-me. Deixa-me fora de mim, sem saber se me hei-de rir às
gargalhadas ou chorar de tristeza perante aquilo que não se faz pelo meu
país doente.
Portugal meteu os pés pelas mãos. Os portugueses
meteram os pés pelas mãos. Pelas mãos de uns e de outros e pelas suas
próprias mãos. Portugal e os portugueses todos estão à rasca. Não é uma
geração em especial, são todas. Estão à rasca por causa disto e daquilo.
Mas estão e tiveram que pedir ajuda. Portugal sentou-se à mesa e comeu.
Comeu do bom e do melhor nos últimos anos. Podia ter escolhido pratos
mais ligeiros e mais saudáveis, podia ter pensado nas dores de estomago e
nos níveis de colestrol. Mas não pensou em nada. Comeu e bebeu e na
hora de pagar a conta não tinha dinheiro para isso. Resta-lhe arregaçar
as mangas e ir lavar pratos. Muitos pratos.
E é certo que num
rodízio há sempre quem coma mais que o vizinho do lado mas o preço é o
mesmo. Eu nem me sentei a esta mesa nos últimos anos mas estou aqui para
ajudar a arrumar a cozinha.
Portugal precisa de trabalhar. Mais e
melhor, daquela maneira que só os portugueses sabem. Mas precisa dessa
humildade, dessa força e desse espirito de sacrificio cá dentro dele.
Precisa
de todos os jovens que queiram cá ficar e das ideias que outros possam
ir colher lá fora. Precisa de todos juntos. De uma selecção nacional que
queira ganhar competições e que acredite no seleccionador. Que se una
na estratégia e que páre de se queixar das lesões.
Porque é agora
que temos que jogar e é agora que precisamos de ganhar. Precisamos de
nos incentivar uns aos outros e dizer palavras bonitas. De sorrir das
nossas desgraças e de arrumar o mais depressa possível a casa. Está na
hora. Para frente é que é o caminho.
Talvez seja ingenuidade minha, mas estou farta de lamúrias. Isto está pela hora da morte, sim senhora. Mas eu ainda estou viva.
Chega de poluição sonora. Vamos dizer sorrisos.
Cristina Gameiro, aqui