O Governo passou para a comunicação social esta semana a sua intenção de
lançar no ano letivo de 2013-2014 um plano-piloto de abertura do ensino
técnico-profissional aos estudantes do 3.º ciclo do ensino básico (7.º, 8.º e
9.º anos de escolaridade), antecipando para esse nível de ensino uma via que,
atualmente, vale apenas como alternativa para os estudantes do secundário.
De
acordo com o dito plano-piloto, além dos alunos que voluntariamente queiram
seguir essa via de ensino-formação - decisão com autonomia muito discutível nas
idades-padrão dessa fase da escolaridade -, ela será obrigatória para os alunos
que, até ao 6.º ano de escolaridade, tenham reprovado duas vezes no mesmo ano ou
três vezes intercaladas.
De forma rude e atrabiliária, o Ministério da Educação descaracteriza as vias
alternativas de escolaridade e torna-as ícone do seu modelo de escola: a escola
a duas velocidades. Para os bem- -sucedidos, com contextos sociais e culturais
ricos e desafiantes, a via de ensino. Para os incapazes, os que "não têm jeito
para a escola", a aprendizagem de um ofício. Bem pode Crato cantar hinos e
hossanas à imprescindibilidade do ensino técnico-profissional: com este plano,
ele mostra que a aposta do Governo é numa clara desvalorização social dessa via.
O conservadorismo ideológico de Nuno Crato exibe-se aqui em pleno: a existência
de vias alternativas de esco- laridade não serve para diversificar saberes e
combater hierarquizações de partida, mas sim para cristalizar desigualdades
sociais através da punição dos mais fracos a uma "via de segunda".
O presidente da CIP foi claro: "O sector empresarial ainda hoje lamenta o fim
das Escolas Industriais e Comerciais e por isso subscrevemos esta medida." Bom
era o dualismo social vertido em política educativa. Uma elite formada para
pensar e para dirigir, a grande massa formada para executar e cumprir, ser mão
de obra, sem lugar - e sobretudo sem capacitação - para o luxo de compreender o
mundo e fazer perguntas incómodas. Uma escola vocacionada para marcar, bem cedo,
o destino social de quem a ela acedia: tu vais para doutor, tu vais para
marceneiro. Foi contra este dualismo hierarquizador que a democracia colocou a
escola democrática no seu centro. Uma escola com a missão de promover a
igualdade onde ela é dificultada por assimetrias de herança. Uma escola capaz de
combinar singularidade de cada percurso com igualdade de desafios formativos,
cognitivos e sociais. Uma escola que valoriza a complementaridade - e não a
oposição - entre ofícios e cultura.
O plano-piloto de condenação dos alunos repetentes à punição do ensino
técnico-profissional não é, por tudo isto, menos do que o cadafalso da escola
para a cidadania democrática. Esta, que forma para a articulação entre saber e
fazer, que forma para a inclusão e para a inquietação, é substituída por uma
escola excludente, segmentadora, que forma para a desigualdade. Uma escola
talhada à medida do programa ideológico de Nuno Crato.
José Manuel Pureza, aqui