quinta-feira, 10 de novembro de 2011

'EURO ACABOU COM AS POLÍTICAS DOMÉSTICAS'

A frase foi dita no histórico dia 9 de Novembro pela senhora Angela Merkel.

Agora é oficial, deixou de ser oficioso. Os políticos dos 16 países da zona euro podem andar a brincar uns com os outros em assuntos menores. Mas nas questões sérias, as que podem mexer com os mercados e com os outros parceiros do euro, todas as decisões carecem da aprovação da Alemanha.

Isso mesmo. Alguns podem dizer que do ponto de vista formal não é em Berlim que está o centro de poder mas sim em Bruxelas, no Eurogrupo, na Comissão Europeia ou mesmo no Conselho Europeu. Tudo bem. Em matéria de formalidades podem todos ficar com a taça e ficar obviamente muito satisfeitos e de consciência democrática tranquila.

Mas a realidade é uma grande maçada e não há discurso indignado que a altere. Depois de meses de debates, análises e críticas ao chamado directório franco-alemão, que saiu definitivamente do armário, a chefe do governo alemão veio agora dizer à Europa e ao mundo que o tal directório é outra ficção e que quem manda efectivamente na União Europeia, no Eurogrupo e também nas capitais dos 16 países do euro é a Alemanha, é Berlim, é quem estiver sentado na chancelaria e tiver a maioria no Bundestag, que desde a reunificação alemã voltou a instalar-se no Reichstag.

A senhora Merkel foi bruta e directa: “A moeda única acabou com as políticas domésticas.” E fez questão de explicar o que queria dizer para que não restem dúvidas nas cabecinhas mais relutantes em encarar a nova realidade: “A Grécia já não pode decidir se quer ou não um referendo.” Dito isto, tudo muda. Se Atenas não pode decidir sobre um referendo, Lisboa, Madrid ou Roma também não. Nem Paris, o parceiro menor de ocasião de Berlim nesta tomada do poder na Europa. E quem fala em referendos fala também em orçamentos despesistas, défices elevados e dívidas públicas descontroladas. Foi por isso que Berlim impôs a inscrição nas constituições de limites aos défices e às dívidas.

E, como se viu no caso grego, a margem para negociações é curta ou não existe mesmo. Quem não quiser seguir estas regras tem a porta aberta para sair do euro e da União Europeia. A senhora Merkel fez esta histórica proclamação a seguir ao anúncio da saída de Berlusconi do poder e quando a Itália está à beira do abismo, com os juros da dívida soberana a entrarem na zona de resgate. Num ambiente de pré-guerra no Médio Oriente, com o Irão muito próximo de chegar à bomba atómica, a Europa tem, finalmente, um líder.

Para o bem e para o mal. Para a paz ou para o conflito iminente. Atenas está no lixo, falida e embrulhada numa crise política sem fim à vista. Na Itália é o caos político e financeiro. Madrid tenta fugir entre os pingos da chuva e Paris está quase a arder. Neste cenário dantesco, do mal o menos. A Europa tem a senhora Merkel ao leme e a partir de agora são cada vez mais irrelevantes as querelas internas sobre as folgas do orçamento, o IVA na restauração ou a tentativa vã de renegociar com a troika seja o que for. Resta ao governo de Portugal cumprir as ordens o melhor que pode e sabe. Não há qualquer alternativa séria e credível. Lisboa, como Madrid, Atenas, Roma ou Paris, deixou de ter políticas domésticas.

António Ribeiro Ferreiraaqui