segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A HISTÓRIA DE UM BURACO

Mesmo em tempos de crise é difícil fugir aos lugares-comuns.

E o Natal é um deles. Por outro lado, quem diz Natal, diz esperança que é outro lugar-comum. Em todo ocaso, é verdade que Natal e esperança, andam juntos desde sempre. De facto, é especialmente nesta época que todos desejamos e temos esperança que tudo melhore.

Sempre foi - ou terá sido - assim e não seria agora que as coisas iriam ser diferentes. Festejemos, portanto, o Natal e, sobretudo, tenhamos esperança!

Neste quadro e nesta quadra, não faltam histórias, umas verídicas e outras não, que nos remetem para o tema. Ora, uma dessas histórias, e, neste caso, uma história verdadeira, passou-se há dois ou três dias atrás e teve honras de "prime time" em alguns órgãos de informação. E o caso não é para menos! Com efeito, trata-se da ocorrência duma situação dramática que, miraculosamente, acaba por ter um fim feliz. É a pequena história de um avô que, subitamente, cai num buraco de sete metros de profundidade quando passeava tranquilamente numa terreno florestado com o neto de dois anos e meio.

Sem possibilidades de sair pelos seus próprios meios, sem que o neto o pudesse ajudar ali mesmo e passando-se a cena a mais de oitocentos metros de qualquer casa e sem movimento de pessoas, tudo concorria para que a história tivesse o fim trágico que todos podemos imaginar. No entanto, não só o avô resistiu ao drama de si próprio como ao do neto que, de tão tenra idade, era bem natural que não lograsse salvar o avô e salvar-se a si próprio.

udo, no entanto, e como se sabe, acabou em bem. A criança não se precipitou também no buraco, foi capaz de percorrer oitocentos metros em território inóspito, pediu ajuda a quem encontrou e conduziu os salvadores ao local onde o avô se encontrava.

Ora, esta história, que podia ser uma simples história infantil e de pura fantasia, não é, e pode muito bem ser a metáfora do país em que vivemos. Com efeito, tudo, nela, pode ser significante.

Desde logo, a imagem de um tranquilo e confortável passeio num jardim bucólico e doce, atapetado de folhas de árvores. Depois, a aparente irrelevância do objectivo do passeio deste avô e deste neto, juntos em busca de tampas de garrafas, certamente com a finalidade solidária com que muita gente também as guarda. Depois, a queda súbita do avô num buraco disfarçado sob a folhagem e a facto de não se tratar de um buraco qualquer e, muito menos, de uma simples depressão.

De facto, alguém, indiferente ao perigo que representava, havia cavado ali mesmo um imenso buraco, certamente só conhecido por quem o fez e, maldosamente, escondeu ou deixou que o tempo o escondesse! Depois, a notável inteligência de ambos, já que, cada um fez o que tinha que fazer: o avô dando instruções precisas ao neto e este cumprindo com rigor e excepcional diligência essas instruções e, simultaneamente, acrescentando ao complicado caderno de encargos que tinha que cumprir, a dose de iniciativa pessoal justamente necessária.

Finalmente, a bem sucedida procura da solução para tão difícil problema e o fim feliz da história que tem a participação de toda a vizinhança na busca do traiçoeiro buraco, do infeliz avô e da natural felicidade de toda a comunidade.

É caso para dizer: oxalá Portugal tenha a lucidez necessária à renovação da sua esperança e Bom Natal para todos.

Post Scriptum: Cavaco Silva teve Dias Loureiro como ministro há vinte e cinco anos atrás. Certo que, desde então, pode nada ter tido a ver com a vida deste seu colaborador. Certo que, vinte anos depois e enquanto Presidente da República, o chamou para integrar o Conselho de Estado, integrado na sua quota pessoal de conselheiros. A verdade é que nesta história, também há a história de um buraco!

Manuel Correia Fernandes, aqui