quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CASAIS: ATÉ QUE O TRABALHO OS SEPARE

Viver e trabalhar com a mesma pessoa é assustador para uns, mas pode ser a melhor ideia de sempre para outros.

Setembro de 1895, os jovens professores de Física Pierre e Marie casam-se. Mais do que um leito feliz, o casal passou a partilhar um laboratório onde ficava "até altas horas da noite", segundo os diários de Marie. Juntos fizeram algumas das descobertas científicas mais importantes de sempre, o que lhes valeu o Prémio Nobel da Física em 1903. O casal Curie é um dos exemplos em que marido e mulher formam duplas profissionais de sucesso. Os próprios reconheceram várias vezes que, não sendo casados, os seus feitos não teriam sido alcançados tão rapidamente. A experiência dita, porém, que nem sempre é bom trabalhar com quem acreditamos ser a nossa cara-metade. Seja fruto do acaso, ou decisão planeada, os problemas existem sempre. Mas também há vantagens.

São muitos os caminhos que levam casais a rever-se nesta situação. Há quem a procure propositadamente. O site WorkingCouples.com, com o sugestivo slogan "Work is better together", é um portal de classificados norte-americano que oferece emprego exclusivamente a pares. A argumentação é aguçada: num mundo em que o trabalho ocupa cada vez mais horas da nossa vida, é difícil manter uma relação com alguém que praticamente nunca vemos. Solução? Contratar em pares, evitando a separação do casal.

Outras tendências levam a que o fenómeno se expanda. Um estudo da revista "Women''s Health" aponta para que uma em cada cinco mulheres encontre o parceiro entre colegas de trabalho. A culpa é da crise, concluem, porque obriga as pessoas a trabalhar mais horas, suprimindo a socialização pós-laboral. Ao mesmo tempo, multiplicam-se os negócios a partir de casa, onde, separados ou juntos, os casais transformam o quarto em escritório. Um olhar sobre a imprensa cor-de-rosa mostra que às vezes negócios a dois acabam em divórcios milionários. Para quem ache que amor e trabalho não se misturam, aqui vai a prova contrária.

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A RECEITA DO SUCESSO
Vasco Colombo e Raquel Porto estão juntos há doze anos. Há quatro que saem de casa para o trabalho juntos. A designer de 40 anos e o designer ilustrador de 44 trabalhavam em regime freelancer até abrirem um ateliê em nome próprio, o +2designers. Quem teve a ideia? Vasco e Raquel trocam um olhar cúmplice: "Fui eu", diz Raquel, "mas foi uma decisão a dois". Como sempre, asseguram, há um bom diálogo "e ganha quem estiver mais seguro", diz Vasco que não acredita no meio termo das decisões de consenso.

Ambos se antecipam à pergunta que dizem ouvir de toda a gente "Vocês aguentam passar tanto tempo juntos? Sim, gostamos um do outro e o nosso trabalho é de paixão." Enumeram vantagens à vez, como quem não se cansa daquilo que faz. "A porta do trabalho não se fecha, o que não é necessariamente mau, trocamos ideias em casa", conta Raquel. "Muitas das nossas melhores ideias foram tidas fora do ateliê." Mas admitem: "Se trabalhássemos em contabilidade, ou em alguma área mais árida, seria mais complicado."

Vários factores contribuem para o sucesso da ideia. A complementaridade é um deles. "Resolvemos problemas diferentes a nível profissional": onde um é mais impulsivo, o outro é mais reflectido. "Se filmassem todos os passos que levam a um trabalho final, perceber-se-ia cada contributo", diz Vasco. Por outro lado, isto leva a que não haja o problema da competitividade. "Não há despique na carreira, nem necessidade de afirmação individual."

A maturação profissional é imprescindível a quem pretende lançar um negócio a dois, asseguram. Bem como filosofias de vida semelhantes. "Nunca fazemos noitadas a trabalhar, por exemplo, foi uma das decisões que tomámos logo no início." A maneira como se relacionam na vida reflecte-se sempre na maneira como o trabalho irá correr, avisam. No seu caso, também é importante que, embora com timbres diferentes, partilhem "um universo de cultura e referências semelhantes" no âmbito profissional. As discussões pessoais nunca foram problema no trabalho, até porque raramente discutem. Trabalham com cinco pessoas no ateliê, o que também ajuda a aliviar possíveis tensões.

Será possível não existir um único inconveniente? "As férias. Como gerimos em conjunto o ateliê, e as decisões mais importantes passam por nós, é muito difícil marcarmos férias juntos."

Margarida Videira da Costa, aqui