1- Jesus Cristo é figura
"decisiva, determinante" da História da Humanidade. Quem o disse foi um
dos grandes filósofos do século XX, Karl Jaspers. A pergunta é: porquê?
Crentes ou não, cristãos ou não, têm de reconhecer a Wirkungsgeschichte de
Jesus, isto é, a história dos efeitos ou das repercussões,
assombrosamente humana e positiva, de Jesus na História. Por exemplo, o
próprio conceito de "pessoa" veio ao mundo por influência do
cristianismo, por causa dos debates à volta da tentativa de compreender a
pessoa de Jesus. Foi em solo de base cristã que, embora tenham tido de
impor-se contra a Igreja oficial, se deram as grandes Declarações dos
Direitos Humanos.
2- Evidentemente, a Wirkungsgeschichte,
a história dos efeitos de Jesus na História, tem a sua base na história
real de Jesus, no que ele disse e fez, na revolução que operou.
Esta
revolução é a revolução da sua compreensão de Deus. Realmente, Jesus
não veio revelar que há Deus, pois, se hoje a existência de Deus é
problemática, não o era na altura. Jesus veio dizer, por palavras e
obras, a sua experiência radical de Deus: Deus é amor incondicional,
Abbá, Paizinho querido, que ama a todos, a começar por aqueles e aquelas
que não são amados, os mais pobres, abandonados, humilhados. Assim, uma
das palavras mais revolucionárias da história das religiões é esta: "O
homem não foi feito para o sábado, mas o sábado para o homem", o que
significa que mesmo as leis consideradas sagradas só o são se e na
medida em que estiverem ao serviço do ser humano, da sua dignidade,
liberdade, felicidade. Jesus antepôs a justiça e o amor ao culto: "Ide
aprender: Deus quer misericórdia e não sacrifícios."
Por
isso, os primeiros a serem verberados foram os profissionais da
religião, que exploravam o povo em nome de Deus. E pôs-se ao lado das
crianças, que não tinham relevância: "Deixai vir a mim as criancinhas,
pois dos que são como elas é o Reino de Deus" - contra insinuações
insidiosas quanto a estas palavras, acrescente-se que Jesus também
disse: "Ai de quem escandalizar uma criança. Mais valia atar-lhe uma mó
de moinho ao pescoço e deitá-lo ao mar." As mulheres têm razões para
estar de mal com a Igreja institucional, mas devem saber que Jesus
constitui um marco histórico na história da sua emancipação: superando
proibições, teve discípulos e discípulas.
Inauditas
são as palavras do chamado Juízo Final. Ali se diz que o que determina o
julgamento não são actos religiosos no sentido comum da palavra, mas o
que se faz aos outros, mesmo não sabendo que é a Deus que se faz: "Tive
fome, sede, estava nu, na cadeia, no hospital, e destes-me de comer, de
beber, vestistes-me, fostes ver-me..." Em ordem à salvação, nada se
pergunta de confessional, tudo se centra nas respostas práticas às
dificuldades das pessoas, independentemente da sua cor, etnia, sexo, de
serem religiosas ou não.
Jesus não quis
tomar o poder político: "Vim para servir, não para ser servido", "Dai a
César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Mas foi mandado
crucificar como blasfemo e subversivo social e político. Pilatos,
representante do poder imperial de Roma, que o condenou, não podia
imaginar que aquele desgraçado seria figura "decisiva, determinante" da
História. Deus confirmou a sua vida e a sua morte para dar testemunho da
verdade e do amor: na morte, Jesus não encontrou o nada, mas a
plenitude da vida em Deus, que é amor.
3- Custa-me
a entender como é que os europeus parecem menosprezar a sua herança
cristã, como indicam, por exemplo, a proibição de um anúncio, porque
contém o Pai Nosso, ou a política de acabar com sinais cristãos da nossa
cultura, como a presença de presépios em espaços públicos. Seja como
for, é Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX - tenho
a honra de ter sido seu aluno -, que tem razão, quando escreveu:
"Quando dizemos "é Natal" estamos a dizer: "Deus disse ao mundo a sua
palavra última, a sua mais profunda e bela palavra numa Palavra feita
carne". E esta Palavra significa: amo-vos, a ti, mundo, e a vós, seres
humanos." Boas Festas!
Anselmo Borges, aqui