domingo, 4 de outubro de 2015

"TODOS PERDOAVAM O HOUSE, POR SER O MAIOR IDIOTA À FACE DA TERRA"

Lisa Sanders é o "cérebro" por detrás Dr. House. Foi jornalista, escreveu muito sobre saúde e, aos 36 anos, decidiu ir estudar medicina.


É médica, jornalista e esteve oito anos por trás dos diagnósticos da série Dr. House. Entre tudo isto, o que a satisfaz mais?
Eu sou médica e tudo o resto é secundário. Aliás, primeiro sou mãe e só depois médica.


Na semana passada esteve em Lisboa para a conferência iMed, no CCB. Como foi a experiência?
Fiquei muito impressionada com os vossos estudantes de Medicina, que são muito mais novos do que os norte-americanos. Fui convidada a organizar esta competição, que consistiu em apresentar casos médicos complexos, e eles, em equipas de dois, tinham de fazer o diagnóstico. A participação foi tremenda, fiquei muito impressionada com esses jovens.
Já tinha tido oportunidade de visitar Portugal antes?
No ano passado vim à mesma conferência com a minha irmã e a minha filha. Andámos um pouco por Lisboa, mas não tivemos muito tempo. Este ano vim com o meu marido e, como adorei a cidade no ano passado, até pedi alguns dias de folga do trabalho para poder ficar mais tempo. Durante a conferência visitámos Lisboa e depois fomos até Coimbra, Avis e Porto. Fiquei fascinada com a beleza do vosso país. E a comida... extraordinária. Lembro--me de uma vez ter comido leitão e o meu marido comeu cabrito no forno, estavam maravilhosos. Também provámos imensos pratos de bacalhau, vinho e, claro, os famosos pastéis de nata. Foi uma experiência que pôs à prova todos os nossos sentidos.

Recuando agora um pouco, como surgiu a oportunidade de integrar Dr. House, em 2004?
Na verdade, o House foi baseado na minha coluna do The New York Times. Um dos produtores era leitor da minha coluna de saúde e pensou: "Porque é que isto não pode ser uma série? Em vez de termos criminosos, teremos doenças." Ele e o Hugh Laurie [o protagonista da trama] criaram aquela personagem, que é tão fascinante. O Hugh é um ator magnífico, porque interpreta um papel muito sério, mas preenche-o com um humor muito inteligente. Vamos admitir, o House é um idiota, mas o Hugh fez dele uma personagem tão complexa, defendeu-o tão bem, que essa dualidade foi o que tornou a série tão bem-sucedida.

Os casos médicos eram bastante complexos. Teve muita dificuldade em elaborá-los?
Sim, porque a trajetória de um doente nunca podia ser repetida. Eram casos complicados, sim, mas é disso que gosto. Adoro coisas estranhas.

Fez muita investigação antes de elaborar os diagnósticos?
Não, isso é que é interessante. É que tudo o que aconteceu na série, aconteceu também a pessoas reais. Não inventei nada. Gosto de realidade e é também por isso que o House é único.

Acha que a série a tornou melhor médica? O que é que aprendeu ao longo desses anos?
Não aprendi muito em termos de medicina. Estou sempre a ler coisas esquisitas em todo o lado e é por aí que aprendo mais. Mas vi como se funciona em televisão e isso foi extraordinário. Foi notável passar oito anos com algumas das pessoas mais inteligentes, engraçadas e interessantes que já conheci. É incrível como são tão diferentes das pessoas com quem trabalho em medicina.

Disse numa entrevista que não consegue defender as atitudes de House e que não recomenda a série a estudantes de medicina. Porquê?
Porque muito do que se faz em medicina resulta da relação entre médico e paciente. Ele estava apenas interessado na doença. Isso fez dele uma personagem fascinante, mas na vida real não é assim que funciona. O House era terrível e todas as pessoas na sua equipa o perdoavam por ele ser o maior idiota à face da Terra.

Foi, então, a personalidade dele a tornar a série única, quando comparada a outras como, por exemplo, Anatomia de Grey?
Penso que foi a complexidade do Hugh, a humanidade que ele trouxe a esta personagem tão complicada. A série focava-se muito nas doenças, ao contrário do que se vê agora na maior parte das séries, em que tudo gira à volta dos médicos e das suas vidas pessoais.

Bem antes da medicina e de Dr. House, distinguiu-se como jornalista e chegou mesmo a ganhar um Emmy. O que recorda desses tempos?
Foi incrível. Eu estava numa equipa de produção da CBS News, num programa chamado 48 Hours. Decidimos, uma vez, acompanhar um furacão que estava a caminho de uma cidade na Carolina do Sul. Tivemos a sorte de estar lá em direto quando o furacão chegou e fizemos o retrato daquela tempestade de uma forma notável. Quando soube que ganhámos o Emmy, a primeira coisa que pensei foi "Sim! Agora já posso ir estudar medicina!" [risos]. Estive 12 anos na TV mas deixei-a, não por ser um fracasso em jornalismo mas porque queria tentar algo diferente.

Que idade tinha quando foi para a Faculdade de Medicina?
Tinha 36 anos, mas dediquei grande parte da minha carreira jornalística a escrever sobre saúde, por isso já tinha alguma bagagem.

E desde 2002 que escreve para o The New York Times. O que é que ser jornalista lhe dá, profissionalmente, que ser médica não consegue dar?
Ser médica é uma experiência muito próxima e pessoal, estamos a viver o problema dos pacientes com eles. O jornalismo é o que me permite recuar e ver as coisas de uma perspetiva mais distante. É um complemento muito bom.

Depois de House, já foi convidada a integrar outro programa de TV? É algo que ainda quer fazer?
Já fui sondada algumas vezes mas nenhuma dessas séries depois acabou por avançar. Mas também não penso muito nisso. Se for algo tão divertido como o House, claro que aceito, mas não estou à procura. Como disse, o que me interessa é ser médica, é isso que amo.

Carolina Morais, aqui