Quando em 1975 aterrei no aeroporto de
Lisboa, dez dias depois de "morar" no de Luanda, lembro-me que desmaiei.
Não por ter fome ou estar fraca, mas porque a visão de uma cidade sem
armas nem soldados me trouxe um alívio insuportável. Ficámos horas na
Portela à espera do avião para o Porto, terra dos meus pais.
Acabámos em
casa de amigos da família que nunca nos deixaram passar fome ou frio. E
ao lado deles outros vieram em socorro. Gente que percebia quando eu
chorava sem saber porquê, que deu roupa, calçado, dinheiro para começar.
Até a nossa vida estabilizar (e foram alguns anos) marcou-me sempre o
olhar meigo de quem ajudava e o desprezo de quem me chamava "retornada".
Se calhar também serei uma migrante
porque mudei de país. Contra a vontade, mas mudei. Quem sabe se o uso
desse adjetivo teria evitado o sentimento de "culpa" por fazer parte do
meio milhão de retornados, os tais que vinham para "tomar conta disto",
"tirar empregos", "fazer a vida dos portugueses num inferno".
Quarenta
anos depois, sou portuguesa. Ponto. Disposta a ajudar quem, como eu,
fugiu da sua terra natal para não morrer. Por ora, refugio-me nas
palavras.
Margarida Fonseca, aqui