terça-feira, 8 de setembro de 2015

#FUGIRDAMORTE

Quando em 1975 aterrei no aeroporto de Lisboa, dez dias depois de "morar" no de Luanda, lembro-me que desmaiei. 

Não por ter fome ou estar fraca, mas porque a visão de uma cidade sem armas nem soldados me trouxe um alívio insuportável. Ficámos horas na Portela à espera do avião para o Porto, terra dos meus pais. 

Acabámos em casa de amigos da família que nunca nos deixaram passar fome ou frio. E ao lado deles outros vieram em socorro. Gente que percebia quando eu chorava sem saber porquê, que deu roupa, calçado, dinheiro para começar. Até a nossa vida estabilizar (e foram alguns anos) marcou-me sempre o olhar meigo de quem ajudava e o desprezo de quem me chamava "retornada". 

E eu, que me sentia uma refugiada em terra estranha, fria, ficava triste. Porque não retornara a lado algum. Viera, por imposição da realidade, para a terra dos meus pais, como poderia ter ido para outro lado. Hoje, ouço falar em migrantes.

Se calhar também serei uma migrante porque mudei de país. Contra a vontade, mas mudei. Quem sabe se o uso desse adjetivo teria evitado o sentimento de "culpa" por fazer parte do meio milhão de retornados, os tais que vinham para "tomar conta disto", "tirar empregos", "fazer a vida dos portugueses num inferno". 

Quarenta anos depois, sou portuguesa. Ponto. Disposta a ajudar quem, como eu, fugiu da sua terra natal para não morrer. Por ora, refugio-me nas palavras.

Margarida Fonseca, aqui