Fazer uma moscambilha desta dimensão em véspera de legislativas é de tal
forma arriscado e eleitoralmente imprudente que os interesses por
detrás do negócio devem dar para encher a Avenida dos Aliados.
Pedro Passos Coelho e Paulo Portas estão convencidos de que vão
ganhar as próximas eleições legislativas.
O ministro Pires de Lima e o
secretário de Estado Sérgio Monteiro não estão. E vai daí, decidiram
esta coisa extraordinária: avançar já com a concessão por 10 anos dos
transportes colectivos do Porto (metro e STCP), dispensando novo
concurso público, que é coisa sempre demorada. Como as eleições são já
daqui a cinco semanas, nada como um ajustezinho directo num negócio de
centenas de milhões de euros, invocando o eternamente prostituído
“interesse público relevante” e concedendo às candidaturas um
sensacional prazo de 12 dias para apresentarem as suas propostas, em
pleno mês de Agosto.
Eu
sou a favor da privatização da TAP. E também sou a favor da concessão
dos transportes públicos de Lisboa e do Porto, até porque sou utente e
já não aguento mais greves do metro. Mas eu ainda sou mais a favor do
respeito pelas regras básicas de uma sã democracia, que incluem o pudor e
o bom senso de não avançar com decisões complexas e politicamente
fracturantes a um mês de eleições. Se as autarquias estivessem de
acordo, se o PS estivesse de acordo, com certeza que sim, avançar-se-ia
perante o consenso geral. Mas assim? Após 50 meses de mandato e com
argumentos colados com aquele cuspo demagógico (cumprimento do
memorando, menos custos para o contribuinte, e blá, blá, blá) que Sérgio
Monteiro, homem que me parecia estimável, nos decidiu atirar à cara?
Assim não, obrigado.
Tenho este
problema: não suporto que os políticos me tratem como estúpido.
Clarifica Sérgio Monteiro: “Estamos a falar de um procedimento que é
igual ao concurso público internacional em tudo, excepto no prazo para
apresentação de propostas.” Exacto. Da mesma forma que um cavalo é igual
a uma zebra em tudo, excepto nas riscas. Se Sérgio Monteiro tentasse
montar uma zebra talvez percebesse a diferença, e se este concurso
acabar a ser cavalgado por um único concorrente é obrigatório
escrutiná-lo de cima a baixo, que o negócio cheira pior do que a antiga
foz do Trancão em tarde de maré baixa.
Aliás, tendo em
conta a facilidade com que o PS se pode aproveitar da situação, fazer
uma moscambilha desta dimensão em véspera de legislativas é de tal forma
arriscado e eleitoralmente imprudente que os interesses por detrás do
negócio devem dar para encher a Avenida dos Aliados. As eleições estão
taco a taco e as pessoas mais atentas do que antes. Estas asneiras
contam — e se elas continuam a acontecer é porque o país mudou muito menos do que precisa. Que vergonha, senhores.
João Miguel Tavares, aqui