sábado, 8 de agosto de 2015

O QUE INTERESSA É QUE HAJA FESTAS...


É tão fácil descobrir qual é o problema essencial
hoje dos portugueses, para os unir:
é pão na mesa e trabalho,
esta coisa simples.

Adriano Moreira

Finda a etapa velocipédica a que assistira pela televisão, Job percorreu a pé uma escassa centena de metros e dirigiu-se para o jardim de cimento polido construído ao lado do velhinho, mas agora rejuvenescido, depósito da água da cidade.

            Ajeitou o boné, que em sinal de respeito retirara da cabeça ao passar pelo portão do cemitério, e sentou-se no banco cujo encosto de ferro fundido o sol aquecia desde manhã cedo.

A época era de férias e o tempo convidava ao passeio. Rapidamente, por ali apareceu um fulano moreno, atarracado, de aspecto grosseiro e com uma justa camisola de alças que permitia ver-lhe o musculado tronco, que se sentou ao seu lado e atirou de chofre:
Sou da idade do Joaquim Gomes… Já lá vão 20 anos desde que ganhou a volta. concluiu, com ar de quem sabia da poda.
Isso é que é memória!
Lembro-me como se fosse hoje… A malta lá na cerâmica até delirou… Éramos os patrocinadores oficiais. rematou o vaidoso.

O desbloqueador de conversa tinha cumprido a sua função e, num ápice, o trombudo já dava palpites sobre tudo e mais alguma coisa, desde a cor das placas de cimento que revestem o piso do jardim à ausência de sombras e até à pista ciclável…
É uma pena! Tanto dinheiro gasto e, na prática, as pessoas nenhum proveito tiram disto. – afirmou convicto da sua razão.

Tanta tagarelice fazia até lembrar o chilrear da pardalada, ao final da tarde, na avenida Dr. Abílio Pereira Pinto.

A pardalada e não só, porque o discurso preferido agora é sobre aves… Todo o tipo de aves… Umas mais e outras menos raras, sejam melros com bicos das cores Benetton, das rolhas de garrafa de espumante propagandeadas pela Rota da Bairrada, sejam falcões, aves de arribação e até mesmo cucos.

Até já houve quem, a despropósito e sem que se saiba porquê, também tivesse falado de ovos e de cestas para justificar as omeletas que tem feito.

E como as conversas são como as cerejas, encadeiam-se umas nas outras de tal forma que é difícil parar. Quando se fala de pássaros, também se fala de passarinhos e de passarões e, enquanto o diabo esfregou um olho, lá vieram à baila os galos e os poleiros…

Palavra puxa palavra e sem se saber como nem porquê, a conversa rapidamente evoluiu para a questão de um nó de acesso à auto-estrada na área do concelho.
Sinceramente, não percebo… Com uma entrada para a auto-estrada a meia dúzia de quilómetros, como é que neste tempo de vacas magras ainda há quem tanto insista em ter outra na sede do concelho? – resmungou o carrancudo, enquanto balançava as pernas e coçava o peludo peito.
Sabe, amigo, por vezes há coisas que não parecem o que são… Já pensou que interesses e que interessados é que esse nó está destinado a servir? – atirou Job. – É que já nem sequer há pudor… Ainda se se batessem por um nó de acesso que servisse as zonas industriais da Palhaça ou de Bustos…
Pois… Acho que tem razão… Mas olhe que não é só isso… atalhou a embezerrada personagem.
Refere-se a quê?
Olhe, a coisas como o incumprimento dos afastamentos de certas unidades industriais ou de alterações de cursos de rios, de valas foreiras e hidráulicas…
Ah! Pensava que se referia à instalação de depósitos de resíduos de inertes ou à prospecção e exploração de depósitos minerais de caulino na área geográfica do concelho…
Nem me fale disso, que fico já com um nó no estômago… atirou o mal-encarado, enquanto rodava o palito que mantinha enfiado na acastanhada dentuça.
Ah! Pois é… Isto, só de pensar nos interesses e nos interessados que estas situações claramente servem…
Sem grande esforço, esta já não era propriamente uma conversa sobre galos; era mais sobre poleiros… Mas poleiros de galinheiro e, obviamente, sobre toda a imundície que os envolve.
Enfim, nem vale a pena falar disso… rematou Job.

Lá longe, o sol já caía sobre a cidade.

Aproximava-se uma noite anunciada como de incontida folia.

Job sabia que a Praça do Município estaria a abarrotar de gente, uma menos anónima que outra. Mas também sabia que, no dia seguinte, seriam poucos os foliões que por esse país fora se lembrariam da cidade e dos seus encantos.

Porque o que a estes interessa é que haja festas e alguém disponível para as fazer e pagar. Nem que sejam para comemorar efemérides com uma dezena de dias de antecedência, em plena campanha eleitoral. Tudo o resto são devaneios...