sábado, 15 de agosto de 2015

CANDIDATOS & BOLINHOS DE MANTEIGA



Algumas, um punhal, um incêndio.
Outras, orvalho apenas.

Eugénio de Andrade

Job é assim mesmo. Gosta de saber coisas e de conversar. Gosta mesmo muito de conversar.

Nessa tarde, foi visitar a tia, por quem tinha sido criado e nutria grande carinho e afeição.
Apesar de residir em Lisboa há cerca de oito anos, Assunção acompanha com particular interesse o desempenho autárquico do concelho onde nasceu, cresceu e se fez mulher, e no qual continua recenseada como eleitora.
Então, desta vez, como é que vai ser?
Olhe, tia… Nem sei que lhe diga… disse Job, ao mesmo tempo que o silvo da chaleira se fez ouvir.
Nem eu sei que pensar… Mas tenho a certeza de que isto melhorava muito se aparecesse alguém que se dedicasse exclusivamente ao concelho…
Mas…

Job não pôde prosseguir, porque a tia Assunção logo atalhou, depois de soprar para arrefecer o chá açoriano que invariavelmente preparara e servia sempre que Job a visitava.
Sim, alguém que não seja presidente de câmara durante o dia e empresário à noitinha… Ou que seja presidente de câmara às Segundas, Quartas e Sextas e empresário às Terças e Quintas…
Há mesmo os que, como empresários, chegam a receber comitivas estrangeiras para, logo a seguir, as receberem como presidentes da câmara… E, pelo meio, ainda aproveitam para abastecer as viaturas próprias com combustível da empresa…
E depois não querem que se fale de interesses e de promiscuidades!
Tem toda a razão, tia… A causa pública é um assunto demasiado sério para ser encarado como alguns o fazem, sem se respeitarem a si próprios. E, pior que isso, desrespeitando os munícipes e as instituições democráticas e as colectividades dos concelhos…
Sabes, há por aí uns bonecos de cera que pensam que estão na Terra do Nunca e que se fazem passar pelo Peter Pan… Vivem de sonhos e de aventuras, rodeados de meninos perdidos e sempre acompanhados por uma graciosa fada...
E que olham para os outros como inimigos terríveis, dando a ideia de que são todos como o covarde e ardiloso Capitão Gancho. Nunca tinha pensado nisso, mas vendo bem as coisas… reconheceu Job. E quanto a candidatos, o que é que acha?
Apareceram uns a dizer que as pessoas estão primeiro. Logo de seguida, surgiram outros a reivindicar que sempre estiveram com as pessoas e agora, por fim, já há os que dizem que vão apoiar as pessoas...
Pois, é verdade. anuiu Job. Agora lembram-se de falar nas pessoas… Transfiguram-se e surgem com o rosto resplandecente como o sol e com umas vestes brancas como a luz...
É, de facto, muito estranho… Nestas alturas, mostram o que não são para cair nas boas graças de quem lhes pode garantir o poder…
É verdade… Requalificam avenidas, mas esquecem-se das praças e jardins que cativam as pessoas à sua fruição. Fazem super-escolas e nem se lembram de que há cada vez menos pessoas para as ocupar. Renovam parques de lazer sem árvores de ensombramento. Acabam com o reconhecimento dos cidadãos que se distinguem como exemplos de cidadania e de dedicação a causas de interesse municipal e ainda têm a suprema lata de dizer que sempre estiveram com as pessoas…
Sobre essa questão, só tenho uma forma de pensar. Por muito que digam, por muito convincentes que procurem ser os candidatos, há três características que, para mim, diferenciam os bons candidatos dos outros… Entre estas características não se inclui, obviamente, a capacidade de cada um, porque este é um predicado tão básico e elementar que nem quero crer que haja quem se abalance a uma eleição sem ter capacidade para o desempenho do cargo a que se candidata. Tenho, para mim, três traços de personalidade que, conjugando-se num candidato, fazem seguramente deste o candidato ideal.
E quais são essas características? quis saber Job.
O primeiro desses traços é o da humildade, o segundo é da proximidade e, o último, o do diálogo – asseverou.
Tem toda a razão, tia! – concordou Job.  Porque muito mais importante do que falarem agora das pessoas, aparecendo como arautos do diálogo, era que tivessem mostrado esta disponibilidade quando as pessoas os procuraram para resolver os seus problemas… E, nessa altura, o que se sabe é que as portas estiveram fechadas e o diálogo não existiu. Portanto, quanto a isso, é certo e sabido que há candidatos que, em matéria de proximidade com as pessoas, já não convencem quem quer que seja.
Sim, é verdade. Há muitos anos, alguém que nos governou com mão de ferro durante uma longa noite de meio século disse que “em política o que parece, é”. E não é que até acho que ele tinha razão? – sentenciou a sapiente Assunção, antes de perguntar a Job se tinha gostado dos biscoitos que, ainda fumegantes, servira para acompanhar o chá.
Sabe, tia… Há meses que sonhava com estes bolinhos de manteiga… A raspa de limão dá-lhes um toque absolutamente divinal!
Receita da tua avó, que era uma excelente cozinheira e uma magnífica doceira. – disse Assunção, com a voz quase trémula, enquanto fixou um olhar de saudade na fotografia da mãe que se encontrava pousada num já gasto napperon de renda, sobre o velho aparador da antiga sala.