Uma nação não nasce duma ideia.
Nasce dum contrato de homens livres que se
inspiram
nas insubmissões necessárias ao ministério dos povos sobre os
seus
infortúnios.
Agustina
Bessa-Luís
Corria o dia 26 de Agosto de
2003, quando foi publicada a lei nº 69/2003 da Assembleia da República que
elevou a cidade a então vila de Oliveira do Bairro. Nesse mesmo dia, foram
também publicadas as leis que elevaram a vilas as povoações de Mamarrosa,
Bustos, Troviscal e Palhaça.
Não obstante a unanimidade
colhida no altar nacional da democracia, é sabido que as respectivas propostas
não obtiveram, ao nível local, uma mais que espectável consensualidade,
divergência esta que foi determinante para que, pouco tempo depois, deixasse de
ser comemorado no dia 26 de Agosto o Dia de Feriado Municipal e, por
arrastamento, fosse suprimido brilho e solenidade à comemoração de uma data tão
importante para a única cidade e para cinco de seis freguesias do concelho.
Na base destas dissidências,
esteve a identidade do último subscritor das ditas propostas, o ex-presidente
da autarquia, Acílio Gala, facto que nesta altura importa recordar com o
distanciamento e a serenidade que o tempo já permite, para que se perceba que
há alturas em que o que deve prevalecer são os valores que unem e identificam e
não as indesejáveis politiquices que separam. Propostas estas cujo acolhimento,
é bom recordar, foi sufragado pela unanimidade dos deputados da IX legislatura.
E por isso, assim como é de El-Rei
D. Manuel e não de qualquer outro a autoria da atribuição da carta de foral a
Oliveira do Bairro, e do deputado Hélder Filipe e não de qualquer outro a
autoria da proposta de elevação da povoação de Oiã a vila, para a posteridade
também há-de ficar para todo o sempre a autoria da elevação a cidade da vila de
Oliveira do Bairro, e da elevação a vilas das povoações de Mamarrosa, Bustos,
Troviscal e Palhaça.
A História que nos interessa não
é a que nos fecha mas aquela que abre para o futuro: é por isso que todas as
forças políticas do concelho devem ter, com a sua cidade e com as suas
freguesias, o compromisso de contribuir para uma dinâmica capaz de traçar
caminhos de verdade, dando prioridade às pessoas e ao bem comum da nossa
cidade.
O dia 26 de Agosto é, por isso,
um dia de evocação do passado e da tradição que Oliveira do Bairro soube impor
ao longo do tempo, no qual a cidade deve inspirar-se para aí encontrar forças
para seguir novos caminhos e vencer os desafios que se lhe deparam; mas é
principalmente um dia de reflexão sobre o futuro, à qual deve subjazer a ideia
de que o que faz uma cidade não são as coisas mas as pessoas que caminham
abrindo novos horizontes.
E o facto de já não podermos
vangloriar-nos da fertilidade da nossa agricultura e de ainda não podermos
orgulhar-nos de uma oferta cultural de excelência, é sinal evidente de que só
temos a ganhar com a opção por uma verdadeira política de cidade, significativa
de que a própria urbe se deve organizar de modo a extrair das suas forças vivas
o melhor que estas podem dar. O verdadeiro desenvolvimento urbano nasce da
congregação de esforços de todos.
Oliveira do Bairro possui
condições únicas, que lhe são particularmente proporcionadas pela sua
localização geoestratégica e pela sua capacidade de empreender.
Nesta acepção, os jovens, os
empresários, as organizações da sociedade civil, as associações e,
principalmente, a câmara municipal e as juntas de freguesia, porque querem o
bem da sua terra e de todos os oliveirenses, devem estar associados para
prosseguir o bem-comum e defender a coesão social: o esforço dos oliveirenses,
das suas instituições e dos seus autarcas, e um forte sentimento de pertença e
de afirmação de uma identidade própria, constituem-se, assim, como a energia
vital que é necessária para impulsionar cada vez mais a vida da cidade.
A reabilitação urbana, a
construção de escolas, de espaços verdes e de zonas de lazer são, como as redes
de água e de saneamento básico, os equipamentos desportivos, as bibliotecas, os
pólos de leitura, os paços do concelho e os equipamentos sociais ou os centros
cívicos nas freguesias, mas também como a segurança, a mobilidade e as
infra-estruturas da saúde e da justiça, os pilares de qualquer cidade que
cresce e que quer continuar a crescer, independentemente dos actores dos órgãos
locais ou centrais.
Tal como disse o poeta inglês
William Cowper, “Deus fez o campo e o homem fez a cidade”.
Mas uma cidade não é apenas o
património edificado. Uma cidade é, principalmente, o seu povo, porque são as
pessoas que lhe dão vida. São as pessoas que desenham a sua história colectiva.
E porque as contrariedades
reclamam selectividade nas opções a tomar e uma exigência acrescida no sentido
de definir prioridades quanto aos projectos municipais que se vão concretizar
com o dinheiro que é de todos, importa fazer uso da máxima de Winston Churchill,
segundo a qual “Os problemas da vitória são mais agradáveis do que aqueles da
derrota, mas não são menos difíceis”. Por isso mesmo, uma cidade responsável,
realista, séria e rigorosa deve, principalmente numa altura de crise, repensar
as obras grandiosas e, numa segunda etapa, salvar o seu risco de investimento
público e não facilitar os lucros nas mãos dos que gozam de compensações
excessivas ou buscam o enriquecimento fácil.
Como diz Belino Costa, co-autor
da obra Proclamação da República: de
Lisboa a Oliveira do Bairro, no concelho de Oliveira do Bairro, “houve um grupo de homens que ousou defender
os ideais republicanos e lutar pela construção de uma sociedade civilista e
laicizada, acreditando que o ensino e o positivismo científico seriam o
fermento de um homem novo. (…) Eles não
eram a chamada arraia-miúda, pobre e analfabeta, mas, sim, distintos médicos,
proprietários e comerciantes. Idealistas que chegaram a investir as suas poupanças
na causa republicana e arriscaram a vida na defesa do novo regime”.
A celebração do Dia da Cidade de
Oliveira do Bairro deve, por isso mesmo, ser também a ocasião para lembrar e
fazer justiça àqueles que, com honra e mérito, têm sabido servir a cidade, o
concelho e o país, nos mais diversos sectores de actividade, dando o melhor de
si à sociedade e assim contribuindo para a defesa dos valores sobre os quais
nos devemos erguer, enquanto sociedade desenvolvida e solidária.
Uma homenagem que só pode ter como
local o salão nobre dos paços do concelho e não um qualquer espaço, por muito
virtuoso que seja, que não simbolize o coração da cidade e do concelho.
É por isso que a celebração do
Dia da Cidade tem de ser capaz de saudar a cidade, mas principalmente o
esforço, o empenho e a dedicação de muitos oliveirenses, e de enaltecer a
história de uma comunidade que há praticamente cinco séculos vem construindo a
cidadania e o futuro desta terra fundada por D. Manuel, em 1514, uma história
de gente corajosa, determinada e intransigente no respeito pela tolerância e
pela sua própria identidade, uma comemoração que não pode restringir-se à
realização de um qualquer evento de mero lazer cujo ponto alto se reduza à
componente lúdica e à música.