quarta-feira, 3 de junho de 2015

FUTEBOL, CAMPO DE PRESSÃO ALTA

Com o campeonato da I Liga de futebol encerrado, abre-se a época de especulação jornalística relativa à venda e transferência de passes dos jogadores.
 
Clubes e empresários dos futebolistas encontram nos média um campo favorável para jogos que rendem muito dinheiro. Poderia isso não constituir um problema, se as práticas fossem transparentes e os canais de comunicação fluidos.
 
Nem sempre o são e este poderia ser o momento ideal para iniciar o debate em torno da (difícil) relação do futebol com o jornalismo.
 
Em Portugal, o interesse pelo universo da bola é gigantesco, o que nos autoriza a falar de uma espécie de futebolização do país que assume traços curiosos. Somos uma nação que gosta de futebol, mas deixa os estádios vazios. O interesse satisfaz-se, acima de tudo, através dos média. É também aí que se manipula uma economia do futebol. Os negócios são muitas fezes condicionados por aquilo que se mostra ou se faz silenciar no espaço público mediático. Por isso, a pressão por parte dos donos do jogo é sempre alta em direção àqueles que têm como regra profissional não se deixarem condicionar, os jornalistas.
 
Nos próximos dois meses, abre-se nos média jornalísticos uma outra agenda, dominada, acima de tudo, pelo negócio em torno dos passes dos jogadores. Eis que se anunciarão transferências longe de qualquer concretização e valores muito distantes dos montantes verdadeiramente ajustados. Poder-se-ia acabar com este agendamento em períodos pós-campeonato? Não! Porque, por um lado, nesta altura não há outros tópicos para falar de futebol; e, por outro, o tema constrói uma novela que vai suscitando um permanente interesse do público. Mas aqui deveria haver menos fontes anónimas, mais cruzamento de informação e, acima de tudo, mais ética por parte de alguns dos empresários do futebol. Não pode valer tudo. Como tem acontecido.
 
Com o campeonato em pousio, esta seria a época ideal para se abrir um debate em torno da comunicação que os clubes promovem com os jornalistas. Estamos perante um campo em que os protagonistas, por norma, são afastados de qualquer contacto com os média, a não ser que este seja mediado e controlado por ciosas assessorias. Fala-se muito "sobre", mas quase nunca se fala "com".
 
Há sempre alguém que discorre acerca de determinado jogador, subtraindo a este qualquer liberdade de expressão. A não ser que o canal seja a TV do próprio clube. Aí, a liberdade alarga-se, porque também se sabe que esses estúdios não se constituem como espaços de perguntas incómodas.
 
Ainda no âmbito de fazer vergar os jornalistas a um trabalho amputado de qualquer liberdade, recorde-se o que os repórteres são obrigados a fazer num desafio de futebol da I Liga. Normalmente a transmissão do jogo é reservada ao órgão detentor desses direitos assim como o espaço que se designa de "flash interview". Para os outros profissionais, promove-se, no final do jogo, uma conferência de Imprensa com os treinadores e abrem-se portas para a chamada "zona mista" por onde passam aqueles que querem falar com os jornalistas, sendo esse corredor aproveitado muitas vezes pelos presidentes dos clubes para deixarem aí os seus recados ao adversário e às arbitragens. Os jornalistas não falam com quem querem, falam com aqueles que querem dizer qualquer coisa no espaço mediático. A este nível, mandam apenas as fontes. Não é certamente de liberdade que deveremos falar aqui.
 
Num livro de minha autoria que chega hoje às livrarias intitulado "Jornalista: profissão ameaçada", conversei com vários jornalistas, incluindo aqueles que encontram no desporto a sua área exclusiva de trabalho. Todos expressam uma enorme preocupação com a atual falta de autonomia para desenvolverem um jornalismo livre. Não é possível continuar a caminhar no sentido de maior controlo da informação, como tem acontecido. No campo desportivo, é preciso debater os limites de atuação dos clubes no seu relacionamento com os média. Porque o futebol precisa de ser mais respirável e os adeptos têm o direito a uma informação mais rigorosa.
 
Felisbela Lopes, aqui