sexta-feira, 5 de junho de 2015

CRÓNICAS DO INFERNO

EM DEFESA DOS RANHOSOS
 
Um grupo de maduros, auto intitulado de “Acção Directa – Libertação Animal”, e que diz ser uma “Associação de defesa dos animais e promoção do veganismo” promoveu uma campanha em defesa dos caracóis.
 
Nos cartazes escreveram:
“Gostava de ser cozido vivo? Eles também não.”

Gosto de estar ao lado de quem se preocupa com aqueles que não têm voz. Mesmo que se trate de ranhosos como os caracóis. Por isso, decidi analisar se deveria colaborar na campanha.
 
Obviamente que teria de saber mais sobre o que se pretendia com ela.
 
Lendo os cartazes admiti, primeiro, a hipótese de que a Associação criticasse, fundamentalmente, o modo como os caracóis eram mortos.
Acredito que aqueles “moluscos gastrópodes terrestres” não gostem de ser cozidos vivos.
 
A água do duche, quando aquece um pouco mais do que o habitual, já me é insuportável…
Mas também sei que há centenas de pessoas que adoram aquele petisco e se recusem a comer os bicharocos ao natural. Até porque não seria fácil retirá-los da casa que teimam em trazer às costas.
 
Qual seria, então, a solução alternativa?
Cortar-lhes o pescoço, antes de os atirar para a panela, como se faz às galinhas? Uma trabalheira! Dar-lhe uma palmada na parte traseira das orelhas, como aos coelhos?
 
Dificílimo de executar. Electrocutá-los, como às vacas? Complicado, dada a estrutura física do animal. Enforcá-los, como fizeram ao outro ranhoso, o Saddam Hussein? Impraticável!
 
Compreendi que nos restaurantes e cervejarias onde se sentam, em simultâneo, dezenas de clientes ávidos pelo petisco, não haveria outra solução que não fosse enviar os caracóis, à sacada, para uma panela ao lume já com água a ferver e alguns temperos.
 
Há maldade nesse acto? Provavelmente.
 
Mas tudo o que entra nas panelas, em qualquer cozinha, passa por tratamento idêntico.
 
Não sei se servirá de desculpa, ou sequer de explicação, mas sendo verdade não se percebe a fixação nos caracóis.
 
Depois percebi que os “veganistas” são - mais do que contra a forma como se matam os “animais não-humanos”, para alimentação dos “animais humanos” - contra a morte de qualquer animal para ser cozinhado por humanos.
 
Eles explicam:
“Lembrem-se que isto não é sobre nós. É sobre os animais não-humanos que defendemos e pelos quais damos a nossa cara. É sobre Libertação Animal, seja ela humana ou não-humana. Somos todos animais. E com a certeza que nenhum de nós deve ser explorado e instrumentalizado, continuaremos a lutar até todos os animais serem livres.”
Os vegans, não comem carne, peixe nem ovos. Não bebem leite. Não usam lã nem couro.
 
Devem comer couves, cenouras e cebolas que atiram para panelas de água a ferver.
 
Este radicalismo, que parece ir ganhando alguns seguidores, faz-me alguma confusão.
 
Para todos os efeitos trata-se de gente aparentemente culta e inteligente, que vem para a rua em defesa de caracóis, gastando dinheiro em cartazes, prestando-se ao ridículo, enfrentando o desdém da imensa maioria dos seus conterrâneos.
 
Priorizando essa opção esquecem gente que come o que recolhe dos caixotes do lixo à porta dos supermercados, fecham os olhos a tanta miséria em tanto bairro de lata, fingem desconhecer tanto idoso a viver sem o apoio de qualquer “animal-humano”.
Sem, que se saiba, se preocuparem em os ajudar ou denunciarem tais situações.
 
É uma escolha.
 
Temos que a respeitar embora dela possamos discordar.
 
Um amigo meu compreende-os como ninguém porque também ele é fundamentalista, embora em sentido inverso.
 
Explica:
“Eu, ao contrário, sou um verdadeiro carnívoro. Tão carnívoro, mas tão carnívoro que, quando chega a altura da sobremesa, da maçã só como a lagarta!”
 
Dê Moníaco, no jornal "Região Bairradina" de 3 de Junho de 2015