sábado, 2 de maio de 2015

ABSOLUTA CRISE DE VALORES

O quotidiano anda cheio de presenças suspeitas,
amigos,
nós é que, almas cegas,
as não pressentimos.
 
Arsénio de Bustos (Arsénio Mota)
 
Mesmo sabendo que, em todas as questões constituintes do poder em exercício, o que prevalece é a tirania da parte contra o todo, não é de aceitar o desvirtuar da democracia e a sua redução a um plano de contingência ou a um jogo de ilusões, em que fique claramente desnudada a vertigem autoritária de quem exerce o poder.
 
O que se espera dos políticos, face aos desideratos funcionais de apego ao interesse público, é uma personalidade insuspeita e irrepreensível, no cumprimento dos desígnios da ética e da transparência consagrados constitucionalmente e conformes aos princípios subjacentes da igualdade, da proporcionalidade e da justiça social. No entanto, o que por aí se vai vendo são cada vez mais demonstrações que evidenciam um grau de culpa muito elevado, atendendo ao facto de a recusa social de certas condutas ser inequivocamente grave, roçando mesmo a promiscuidade e lesando claramente a isenção e a imparcialidade.
 
A título de exemplo, basta lembrar a arrogância com que o poder manifesta a intenção de sancionar o comportamento dos contribuintes que não entreguem ao “Senhor Estado” os valores de IVA, mesmo antes de recebido este imposto daqueles a quem vendam bens ou prestem serviços! 
 
Só que, face a esta perspectiva usurpadora, que medidas é que o “Senhor Estado” tomou para se punir a si próprio e às autarquias que, como é sabido, são os devedores mais relapsos?
 
Vistas as coisas deste modo simples, é de atormentar o pensamento que, cada vez mais, se vai enraizando na sociedade económica e política em que vivemos, segundo a qual os dirigentes que nos vão governando são cada vez mais avessos aos valores morais e aos princípios da idoneidade e da seriedade, pois são cada vez mais raros aqueles que dizem a verdade em lugar de vender ilusões.
 
Mas como há, e continuará a haver, cidadãos livres que não se submetem à vontade inconstante, incerta e arbitrária de outros homens, por mais poderosos que estes sejam ou façam crer que são, ainda há esperança de que, um dia, possamos ser governados por quem mande às malvas a arrogância e a mesquinhez e exerça discretamente o poder inspirado na sensatez e nos bons costumes.
 
Isso só acontecerá, porém, quando o exercício dos respectivos cargos públicos for pessoal e exemplarmente responsabilizado, por forma a erradicar a subversão dos desígnios próprios do poder, desde logo no poder local onde é curtíssima a distância que liga autarcas a eleitores. Aí, sim! Quando isso acontecer, já não serão os caprichos dos governantes e autarcas que querem a todo o custo perpetuar a sua presença no poder com a edificação de obras megalómanas, a determinar a opção por projectos cuja execução não resulte numa centelha de retorno e cuja lógica apenas demanda o engrossar da despesa pública. Nessa altura, a determinação dessas decisões será feita em função do interesse público e das necessidades reais do país ou dos concelhos e já não em função do tamanho do ego dos titulares do poder.
 
Talvez, então, Portugal deixe de ter municípios desmemoriados e tendentes para o insignificante, onde o desaparecimento de autarcas que tenham exercido o cargo de presidente de câmara durante treze anos, modelar e dedicadamente, e com um brio que constitui inquestionável exemplo a seguir por qualquer família autárquica, seja circunstância bastante para ser decretado luto municipal com a inerente colocação a meia haste da bandeira do município! São esses os meus votos. Sinceros.