quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O ICEBERG DE PLÁSTICO

A demonização do saco de plástico do supermercado é ridícula quando temos em conta que a maior parte das coisas que vão dentro dos sacos de plástico estão embaladas em plástico.

No fim de uma semana tão importante para o nosso futuro económico, falei com alguém directamente ligado ao processo.

“Então, quantos sacos plásticos vendeu esta semana?” O rapazinho tímido da caixa do supermercado respondeu-me: “Quase nenhuns”.

Vendeu muitos dos grandes sacos de ráfia, a €0,50 cada um, mas quase nada dos sacos a €0,10 — uma versão mais forte e supostamente mais reutilizável dos sacos antigos.

Mirei as outras caixas. Várias pessoas compravam os sacos de ráfia, e outros tinham-se lembrado de trazer sacos de casa, de modo a evitar pagar os €0,10 por cada saco. Também a mim, como logo anunciei ao miúdo da caixa, me ocorrera trazer um saco de ráfia de casa. No mesmo momento, porém, percebi que não ia ser suficientemente grande para as minhas compras. Ele pôde assim vender mais um saco de ráfia.

Adoro os sacos de ráfia. São bons para levar a roupa para a lavandaria, mudar livros de um sítio para outro, guardar brinquedos ou arrumar papelada que precisa de ser urgentemente tratada durante os próximos dez anos. Tenho centenas deles em casa, vindos dos vários supermercados que frequento.

Também tenho vários sacos de pano e armários a rebentar de sacos de plástico dos antigos.
 
Geralmente, é em casa que ficam, ou, se quando me lembro de os levar à rua, no porta-bagagens do carro. É só quando chego à caixa que costumo lembrar-me de que, mais uma vez, não consegui salvar o planeta, porque deixei os sacos todos em casa ou no carro.  
 
Mas entretanto, o rapaz simpático está-me a dizer, com alegria: “Olhe, a senhora gastou suficiente para receber um saco de ráfia de oferta!”, e tirou mais um saco de debaixo da caixa.
 
“Ai que bom!”, disse eu a sair do supermercado com 2 novos sacos de ráfia (peso total: 190g de plástico) em vez dos prováveis 3 sacos novos a €0,10, os mais fortes e supostamente mais reutilizáveis (peso total: por volta de 30g de plástico), que podia ter comprado.
 
A falta de vendas dos novos sacos a €0,10 não vai durar muito, claro. As pessoas vão voltar a comprá-los, talvez dentro de dois meses. Lembram-se da última vez que os supermercados começaram a cobrar €0,02 por cada saco? Durante mais ou menos um mês, houve quem trouxesse sacos de casa, até que finalmente toda a gente passou a comprar os sacos a €0,02.
 
Por mais que queiramos contribuir para a salvação do planeta com este gesto minúsculo, é difícil. A verdade é que estar à espera que nos lembremos de andar com sacos é simplesmente pedir demais.
 
Mas há mais: as pessoas adoram os sacos de plástico. Que outra coisa podiam usar para separar material para reciclar, levar pequenas quantidades de lixo até o caixote, fazer obras de arte para projectos escolares, meter quantidades enormes de roupa barata, usada só uma vez, para dar a uma instituição, ou até, em alguns poucos casos, pegar na caca do cão?
 
Segundo as estatísticas, cada um de nós utiliza cerca de 500 sacos de plástico por ano. Se é a verdade, isso significa cerca de 5.000.000.000 (cinco mil milhões) de sacos por ano, só em Portugal.
 
Espera-se agora que o consumo de sacos de plástico baixe de 500 por pessoa para 50 apenas. É uma perspectiva muito optimista, mas até com 50 sacos a €0,10 por ano, o IVA gerado será de cerca de €10m (e imaginem quanto IVA vão produzir as vendas dos sacos de ráfia, a €0,10 de IVA por saco).
 
Admito, portanto, que isto possa ajudar o défice do orçamento do Estado, embora não muito.
 
Em termos ambientais, porém, é que me parece que não vai fazer diferença nenhuma. Os sacos de 10 cêntimos, mesmo que haja menos deles, vão também dar jeito como saquinhos de lixo ou para fazer obras de arte nas escolas.  E, claro, hão-de acabar também nas florestas e no mar, a esganar e a encher as tripas das criaturas com intolerância ao plástico, e serão muito mais eficazes a matar os bichos, porque são ainda mais fortes e vão levar mais tempo a desfazerem-se.
 
Mas há ainda outra coisa a ter em mente: é que esses 500.000.000 a 5.000.000.000 sacos são apenas o meio que usamos para transportar vastas quantidades de outras embalagens – em plástico! O plástico utilizado nos sacos de transporte é uma fracção diminuta do total de plástico utilizado nos supermercados, quando comparado com o que serve para embalar os produtos que os sacos transportam até casa. A demonização do saco plástico é ridícula quando temos em conta que a maior parte das coisas que vão dentro dos sacos de plástico estão contidas noutros sacos, em caixas, pacotes ou frascos, que nós não dispensamos, porque nos fazem acreditar que os nossos alimentos nunca foram tocados por mão humana nem nunca estiveram no chão.
 
A regulação e as nossas manias de segurança e de higiene, sempre a aumentar, tornam impossível que compremos qualquer coisa que não tenha sido selada a calor dentro de várias camadas de plástico, papel ou vidro.
 
Então, quem é que queremos enganar com a nossa hipócrita fobia do saco plástico? O saco plástico é só 9 gramas da ponta de um enorme icebergue de plástico.
 
Lucy Pepper, aqui