A CRISE DO EURO ESTÁ AGORA A COMEÇAR

As paralisias nacionais resultam de não ser muito fácil escolher entre a cama ou o abrigo.

Agatha Christie passou o Blitz em Londres e dormiu sempre na sua cama. Nunca entrou num abrigo. É evidente que tinha medo de morrer e, de caminho, “matou” o seu Poirot – o último volume da saga, “Cai o pano”, foi escrito durante a segunda guerra.

Christie não queria que a criação sobrevivesse à criadora e decidiu antecipar o volume final de Poirot para o caso dela própria morrer nos bombardeamentos.

Mas Agatha Christie sobreviveu ao “Blitz” e dormia na sua cama quando o abrigo ao lado de casa foi atingido – e a sua cama não. Um milagre.

A crise do euro é uma espécie de Blitz em que as possibilidades de escolha nacionais estão ao nível das opções de Agatha Christie na Londres dos anos 40 – dormir na cama ou no abrigo, entregando o destino à divina providência.

O bombardeamento dos mercados aos países frágeis do euro atinge agora com uma violência extrema duas das economias mais fortes da eurozona, Espanha e Itália.

A queda de Espanha – independentemente do recurso a um resgate, a Espanha já caiu no poço – vem agravar de maneira radical as condições de Portugal para sobreviver ao “blitz” do euro. Com o principal mercado português a passar por uma cura violentíssima de austeridade, o aumento das exportações nacionais de uma forma consistente – que seria a única esperança para a luz no fundo do túnel da crise – parece condenado.

Com a Alemanha irredutível em dar mais poder ao Banco Central Europeu e criar uma fortaleza de segurança que seriam os títulos de dívida europeia, nunca mais desaparecerão as desconfianças dos mercados sobre os países maisfrágeis – e agora também sobre alguns mais fortes. A perspectiva de recessão na Europa e de empobrecimento geral não anima os mercados, que tendem a fugir de produtos que não prometam crescimento.

A Europa de hoje, com as sucessivas curas de austeridade, é um produto de risco – com a excepção da Alemanha que, por enquanto, está a sair vitoriosa deste “blitz”. Enquanto nós morríamos na mãos dos mercados, a Alemanha viu descer à bruta os custos de pedir dinheiro emprestado, atingindo em variadas sessões taxa negativa – os investidores dispunham-se a pagar à Alemanha para lhe poderem emprestar dinheiro.

As paralisias nacionais resultam de não ser muito fácil escolher entre ficar na cama ou no abrigo. Por uma questão de princípio, Agatha Christie e muitos outros londrinos não quiseram sair de Londres.

É mais ou menos a razão que nenhuma das economias admite não sair do euro.

Mas isto pode mudar.

Ana Sá Lopes, aqui