1Às tantas, sugestionado com as pérolas com que nos têm presenteado, fui só eu que achei.
Mas estava capaz de jurar que o Pedro e o Aníbal acham os gregos uma malta com propensão para a malandragem. Dizem eles que nós, portugueses, temos andado a ajudar os gregos com o nosso dinheirinho e agora os marotos ainda querem mais.
Preguiçosos. Têm juros maravilhosos, tiveram fantásticos perdões de dívida, mas nada lhes chega. Ah raça do piorio, andaram a viver acima das suas possibilidades e agora querem que a gente tenha pena deles. À nossa conta, não.
Acho que o bom do Aníbal e o bom do Pedro eram rapazes, dessem-lhe mais uns minutos de tempo de antena, para nos contar que há imensos paralíticos a fumar cigarros e a beber umas imperiais à sombra do Parthenon, que depois de polirem as esquinas vão para manifestações pedir perdões de dívida. Trabalhar, pá. Ai gastaram à tripa forra? Miséria para eles. Ai agora têm quase um terço da população desempregada ? Azar, tivessem pensado nisso antes. Ai quem está desempregado não tem direito à saúde pública? Não tivessem aldrabado as contas públicas. Morram à fome, com o nosso dinheirinho, não.
Talvez um qualquer cidadão numa mesa ao lado lhes tenha dito que havia ali qualquer coisa de estranho. Sabendo que a Grécia teve ainda mais austeridade do que nós, não devia estar melhor? Não era essa a panaceia para todos os males?
Então não era a fabulosa troika que estava a ajudar a implementar o ainda mais fabuloso Memorando de Entendimento? Até podia ir um bocadinho mais longe, se bem que o assunto fosse ligeiramente mais maçador. Podia lembrar uma conversa que tinha tido com um primo da tia, que é alemão, sobre os portugueses, em que ele dizia que a malta só quer é praia, bola e tremoços.
Mas isso era dantes. Preguiçosos, preguiçosos são os gregos. Tiveram tudo e gastaram tudo. Nós não, basta ouvir agora os alemães. São eles mesmo que dizem que estamos no bom caminho, que fomos exemplares. O problema dos gregos é serem assim como são. Deve ser do clima.
Afinal, em Portugal tivemos um programa parecido com o deles e correu tudo muito bem. Está bem, temos uns problemazitos, desemprego, emigração em massa, serviços públicos em risco de rutura, empobrecimento generalizado, detalhes contabilísticos quase, quase ultrapassados e agora vai ser uma maravilha.
A quem fala de assuntos importantes como a implosão de um país e do futuro da União Europeia como quem está numa tasca a discutir bola - ou a discursar para um cliente enquanto o equipamento de rádio grita "Retalis" - não vale a pena lembrar que, numa comunidade como a que quer ser o espaço europeu, deve encarar os problemas dos nossos parceiros como nossos, que a solidariedade é o cimento de um projeto como o europeu. Muito menos se pode discutir acerca da arquitetura do euro, do facto de termos instituído uma moeda comum para economias tão díspares como a portuguesa e a alemã ou de equilíbrios entre países em diferentes estados de desenvolvimento.
Até era capaz de compreender a vontade do Presidente da República e do primeiro--ministro para que tudo ficasse igual na Europa. Está à vista que seria um profundo erro, mas, carregado de toda a tolerância deste mundo, entenderia que quisessem provar a tese de que não havia outro caminho. O que nos envergonha a todos é que um primeiro-ministro e um Presidente da República tenham um discurso preconceituoso e até xenófobo para tentar fazer prevalecer os seus pontos de vista. De terem uma conversa própria de um qualquer Aníbal e Pedro numa qualquer tasca, em vez de se portarem como homens de Estado. Batemos, de facto, no fundo quando as duas principais figuras do Estado nos provocam vergonha alheia.
2A advogada de Carlos Santos Silva, Paula Lourenço, assina um artigo na última edição da revista da Ordem dos Advogados que é, provavelmente, a maior denúncia sobre o estado da justiça criminal em Portugal.
Irregularidades graves na emissão de mandados de detenção; interrogatórios não autorizados; apreensões de textos, computadores, telemóveis sem qualquer mandato; buscas a casas de morada de família, mais uma vez sem autorização, com interrogatórios à cônjuge de um dos detidos na presença de duas crianças; dos advogados saberem da imputação dos factos aos arguidos num dia e nesse mesmo dia o resumo desse documento aparecer num jornal; e muitas mais, digamos assim, estranhas falhas.
Mais do que tudo, fica a profunda sensação que o Estado de direito está sob um fortíssimo ataque, que as garantias básicas de defesa dos cidadãos - nomeadamente dos que estão em causa no processo Marquês - não estão a ser asseguradas, que procedimentos gravíssimos estão a ocorrer sem que ninguém tome as devidas providências.
Se o texto que a advogada escreveu não levar a um agitar de consciências, se tudo ficar na mesma, se os responsáveis políticos não questionarem o estado de coisas, estamos com um problema muitíssimo maior do que imaginávamos.
Pedro Marques Lopes, aqui
Mas estava capaz de jurar que o Pedro e o Aníbal acham os gregos uma malta com propensão para a malandragem. Dizem eles que nós, portugueses, temos andado a ajudar os gregos com o nosso dinheirinho e agora os marotos ainda querem mais.
Preguiçosos. Têm juros maravilhosos, tiveram fantásticos perdões de dívida, mas nada lhes chega. Ah raça do piorio, andaram a viver acima das suas possibilidades e agora querem que a gente tenha pena deles. À nossa conta, não.
Acho que o bom do Aníbal e o bom do Pedro eram rapazes, dessem-lhe mais uns minutos de tempo de antena, para nos contar que há imensos paralíticos a fumar cigarros e a beber umas imperiais à sombra do Parthenon, que depois de polirem as esquinas vão para manifestações pedir perdões de dívida. Trabalhar, pá. Ai gastaram à tripa forra? Miséria para eles. Ai agora têm quase um terço da população desempregada ? Azar, tivessem pensado nisso antes. Ai quem está desempregado não tem direito à saúde pública? Não tivessem aldrabado as contas públicas. Morram à fome, com o nosso dinheirinho, não.
Talvez um qualquer cidadão numa mesa ao lado lhes tenha dito que havia ali qualquer coisa de estranho. Sabendo que a Grécia teve ainda mais austeridade do que nós, não devia estar melhor? Não era essa a panaceia para todos os males?
Então não era a fabulosa troika que estava a ajudar a implementar o ainda mais fabuloso Memorando de Entendimento? Até podia ir um bocadinho mais longe, se bem que o assunto fosse ligeiramente mais maçador. Podia lembrar uma conversa que tinha tido com um primo da tia, que é alemão, sobre os portugueses, em que ele dizia que a malta só quer é praia, bola e tremoços.
Mas isso era dantes. Preguiçosos, preguiçosos são os gregos. Tiveram tudo e gastaram tudo. Nós não, basta ouvir agora os alemães. São eles mesmo que dizem que estamos no bom caminho, que fomos exemplares. O problema dos gregos é serem assim como são. Deve ser do clima.
Afinal, em Portugal tivemos um programa parecido com o deles e correu tudo muito bem. Está bem, temos uns problemazitos, desemprego, emigração em massa, serviços públicos em risco de rutura, empobrecimento generalizado, detalhes contabilísticos quase, quase ultrapassados e agora vai ser uma maravilha.
A quem fala de assuntos importantes como a implosão de um país e do futuro da União Europeia como quem está numa tasca a discutir bola - ou a discursar para um cliente enquanto o equipamento de rádio grita "Retalis" - não vale a pena lembrar que, numa comunidade como a que quer ser o espaço europeu, deve encarar os problemas dos nossos parceiros como nossos, que a solidariedade é o cimento de um projeto como o europeu. Muito menos se pode discutir acerca da arquitetura do euro, do facto de termos instituído uma moeda comum para economias tão díspares como a portuguesa e a alemã ou de equilíbrios entre países em diferentes estados de desenvolvimento.
Até era capaz de compreender a vontade do Presidente da República e do primeiro--ministro para que tudo ficasse igual na Europa. Está à vista que seria um profundo erro, mas, carregado de toda a tolerância deste mundo, entenderia que quisessem provar a tese de que não havia outro caminho. O que nos envergonha a todos é que um primeiro-ministro e um Presidente da República tenham um discurso preconceituoso e até xenófobo para tentar fazer prevalecer os seus pontos de vista. De terem uma conversa própria de um qualquer Aníbal e Pedro numa qualquer tasca, em vez de se portarem como homens de Estado. Batemos, de facto, no fundo quando as duas principais figuras do Estado nos provocam vergonha alheia.
2A advogada de Carlos Santos Silva, Paula Lourenço, assina um artigo na última edição da revista da Ordem dos Advogados que é, provavelmente, a maior denúncia sobre o estado da justiça criminal em Portugal.
Irregularidades graves na emissão de mandados de detenção; interrogatórios não autorizados; apreensões de textos, computadores, telemóveis sem qualquer mandato; buscas a casas de morada de família, mais uma vez sem autorização, com interrogatórios à cônjuge de um dos detidos na presença de duas crianças; dos advogados saberem da imputação dos factos aos arguidos num dia e nesse mesmo dia o resumo desse documento aparecer num jornal; e muitas mais, digamos assim, estranhas falhas.
Mais do que tudo, fica a profunda sensação que o Estado de direito está sob um fortíssimo ataque, que as garantias básicas de defesa dos cidadãos - nomeadamente dos que estão em causa no processo Marquês - não estão a ser asseguradas, que procedimentos gravíssimos estão a ocorrer sem que ninguém tome as devidas providências.
Se o texto que a advogada escreveu não levar a um agitar de consciências, se tudo ficar na mesma, se os responsáveis políticos não questionarem o estado de coisas, estamos com um problema muitíssimo maior do que imaginávamos.
Pedro Marques Lopes, aqui