quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CRÓNICAS DO INFERNO

ONDE PARAM OS LACERDAS?
 
É um episódio tornado conhecido pelo jornalista Luís Calisto no seu livro “Achas da Autonomia”.

Alberto João Jardim, que fala à velocidade da luz e pensa à velocidade do som, num comício em 1978, ao lado da Sá Carneiro, subiu ao palco, com um barrete de orelhas enfiado na cabeça, e gritou o seguinte:
“Vejo que as Forças Armadas neste país se efeminizaram e não têm a coragem de dizer que o Conselho da Revolução é constituído por elementos que não foram eleitos. As Forças Armadas perderam a masculinidade.”
Os madeirenses ovacionaram-no.

Sá Carneiro ficou mudo.

Mário Soares, então Primeiro-Ministro, pediu a demissão do orador. Que, como se sabe, ficou mais trinta e sete anos no poder.

O militar Ramalho Eanes, na altura Presidente da República, apresentou uma acção judicial. O processo jaz, cheia de bolor, num qualquer armazém de um qualquer tribunal.

Quem não se ficou foi o Coronel Carlos Lacerda, então comandante do BII 19, que pediu uma audiência ao Presidente do Governo Regional.

Audiência concedida.

O Coronel entrou fardado a rigor no gabinete do Presidente e quando este lhe estendeu a mão respondeu com dois sopapos e uma frase:

“Eu vim mostrar que não sou efeminado.”

Saiu porta fora, entrou no jeep e regressou ao quartel deixando Alberto João com as mãos nos queixos e a ditar uma queixa para… o Conselho da Revolução.

Ou seja, o machão foi fazer queixinhas a quem tinha chamado “meninas”!

Esta história verídica (o “incidente também veio narrado no jornal “Diário” de 31 de Julho de 1978) podia servir de lição para os Lacerdas deste país. Que andam adormecidos.

O Ministro da Saúde vê morrer portugueses nas urgências dos hospitais, depois de esperarem horas sem qualquer exame, e deixa implícito que “aqueles mariquinhas nem conseguiram aguentar mais umas horitas”.

Devia entrar-lhe um Lacerda, familiar de um desses desgraçados, pelo gabinete dentro e dar-lhe com um gato morto nas trombas até que o gato começasse a miar.

O Ministro da Educação manda 25.000 professores para o desemprego, abre as escolas com dois meses de atraso, critica os professores que dão erros gramaticais mas não os mestres das faculdades que lhes deram os diplomas, deixa que os livros escolares custem mais do que o ordenado de um mês dos pais dos alunos e às críticas responde “que os portugueses não param de se lamentar” dando a entender que deveriam reagir como machões, não mostrando sinais de desânimo ou fraqueza.

Não há um sindicalista Lacerda, um professor Lacerda, um encarregado de educação Lacerda, que lhe peça uma audiência e lhe acerte com uma enciclopédia no focinho até que Cavaco Silva aprenda que o plural de cidadão não é “cidadões”?

A Ministra da Justiça fecha tribunais, destrói o Citius, deixa as cadeias num pandemónio, arrasa tudo onde toca acreditando que os “efeminados” vão comer e calar.

Como às senhoras não se deve bater devia entrar um Lacerda qualquer no gabinete e ter a coragem de lhe dizer uma verdade indiscutível: “A senhora, além de incompetente, é gorda e feia e nem a doação de um cérebro, a mais eficaz das dietas e toda a maquilhagem do mundo resolveriam estes problemas!”

O Primeiro-Ministro vai para o Parlamento e jura, a pés juntos, que o desemprego está a baixar, os velhos a viver melhor, os impostos a diminuir e a dívida a baixar.

E acrescentando que está a falar de Portugal!

Do mesmo Portugal onde nós vivemos!!!

E a contínuo Lacerda, que lhe vai mudar o copo da água ao púlpito onde ele diz aquelas alarvidades, imaginando-nos, a todos, como meninas da escola primária, não lhe dá com o jarro nas ventas até que o Portas saiba o significado de irrevogável?

Onde estão os Lacerdas deste país?

Têm a oportunidade, têm a razão do lado deles, seriam ovacionados e mesmo assim ficam quietos?

Têm medo de quê?

De uma acção judicial que terminaria em 2100?

Cambada de meninas!!!
 
Dê Moníaco, no jornal 'Região Bairradina' de 4 de Fevereiro de 2015